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MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

Leonel Maia Jorge (Leonel Barbeiro)

19.01.11 | João Manuel Maia Alves
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Leonel Jorge era o seu nome. Faleceu em 14 de março de 2015. Passou a usar o nome Leonel Maia Jorge depois de ter aparecido assim escrito num anúncio. Gostava de se ter chamado Leonel Santana Maia Jorge, juntando os apelidos do pai e da mãe e tendo no nome o prestigioso apelido Santana, nome de família a que pertencia e muito prezava. Durante mais de 60 anos atendeu com simpatia e boa disposição os seus clientes. Tornou-se uma saudosa memória. No texto que se segue, com alguns anos, conta-se um pouco da sua vida.

Todo o homem, rico ou pobre, velho ou novo, poderoso ou humilde, precisa de vez em quando dos serviços dum barbeiro para lhe fazer a barba ou cortar o cabelo. Os barbeiros têm os seus estabelecimentos em sítios centrais. Toda a gente os conhece no meio em que vivem. Os barbeiros são importantes membros da comunidade.

Leonel Maia Jorge é barbeiro em Mouriscas há quase sessenta anos. Muita gente o conhece por Leonel Barbeiro. A ele é dedicado este artigo.

Leonel nasceu em 9 de Janeiro de 1928, na Cova do Madeiro, lugar de Mouriscas que fica já muito perto da fronteira com a freguesia da Ortiga e a província da Beira Baixa. Foram seus pais António Jorge e Maria Santana Maia. Na família nasceram seis filhos que chegaram a adultos, sendo – duas mulheres e quatro homens. Só um era mais novo que Leonel.

Por parte da mãe, Leonel descende de António Ferreira Santana, nascido em 1789 em Alagoa, concelho de Portalegre, e de Luísa Lopes, nascida por volta de 1801, na Cabeça de Alconde, da freguesia de S. Vicente, do concelho de Abrantes. Deste casal descendem os Santanas com origem em Mouriscas. Aliás, a mãe usava o apelido Santana.

Leonel começou a aprender as primeiras letras nas Casas Novas com Ricardo Serras, conhecido por Mestre Ricardo. Se para chegar às Casas Novas tinha de palmilhar muitos quilómetros, ainda maior distância tinha de percorrer para chegar ao Carril, onde morava o Mestre Ricardo e dava também aulas nas férias para os alunos avançarem nos estudos. Era assim nesse tempo. Leonel frequentou as aulas do Mestre Ricardo por falta de vaga nas escolas primárias do centro e do sul de Mouriscas. Quando conseguiu uma vaga na escola da parte sul, hoje desativada e sede do Grupo Etnográfico "“Os Esparteiros”", Leonel transferiu-se para ela e aí fez a 4.ª classe com a D. Maximiliana, que ensinou gerações de mourisquenses.

Leonel trabalhou com a família em tarefas agrícolas e de pesca. Depois, para conseguir uma vida melhor, frequentou as aulas do curso que o Prof. Raposo tinha criado para quem desejava concorrer a empregos como o de fator da CP, a companhia que explorava o transporte ferroviário. O curso funcionava numa casa ao pé da Junta de Freguesia. Aí teve aulas com o Prof. Raposo, a D. Maria Amélia e a D. Cremilde. Entretanto, criou-se o colégio e Leonel ainda teve aulas nele.

Como Leonel concorreu a fator e não foi chamado, pensou em ser barbeiro. Fez a sua aprendizagem com Domingos de Matos (Domingos Sapateiro), que trabalhava nos Engarnais Cimeiros, à beira da estrada e um pouco antes de se chegar ao restaurante quando se vem de cima. A princípio, observava o mestre; depois começou a encarregar-se de tarefas cada vez mais difíceis. Assim, gradualmente aprendeu a arte de fazer barbas e cortar cabelos.

Acabada a aprendizagem, Leonel tirou uma licença de barbeiro e começou a trabalhar na Bagaceira, perto das lojas de Ramiro Esparteiro, hoje pertencentes a Alexandre Dinis e Carina Esparteiro. Da rua subia uma escada que dava acesso a um patamar, que tinha à esquerda a barbearia do Leonel, ficando em frente a mercearia e a loja de bebidas de Ramiro Esparteiro.

Quando Leonel se estabeleceu, em 1951, já trabalhavam na zona da Bagaceira dois barbeiros, Diamantino Nunes, que morava nas Casas Novas, e Jacinto Batista, mas depressa arranjou freguesia. Quinze anos depois, Leonel comprou uma casa que remodelou. Nela tem trabalhado desde então como barbeiro, tendo explorado também durante largos anos uma loja de bebidas. Depois passou também a ser a sua residência.

 

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Anúncio no programa das festas de verão de 1964

 

Quando Leonel começou a trabalhar Mouriscas era muito diferente do que é hoje. Grande parte dos homens trabalhava de sol a sol, fazendo a barba só de oito em oito dias, ou mesmo de quinze em quinze. Era no fim da tarde de sexta-feira e no fim de semana que aparecia mais freguesia, entrando-se muito pela noite dentro.

Novos tempos trouxeram alterações sociais importantes e novos hábitos. Começou-se a trabalhar oito horas por dia e a freguesia começou a distribuir-se pelos diversos dias da semana e sem haver necessidade de entrar tanto pela noite dentro. Também muitos homens começaram a fazer a barba em casa com maior frequência do que antes usando lâminas de barbear, recorrendo ao barbeiro só para os cortes de cabelo.

Chega na vida de qualquer criança a altura em que tem de cortar o cabelo, ou melhor que a levem ao barbeiro que lhes cortará o cabelo. Cortar o cabelo de meninos e meninas foi coisa que não faltou na vida de Leonel. Para muitos miúdos cortar o cabelo era uma experiência de que não gostavam. Muitos não gostavam à primeira vez e continuavam a não gostar. Opunham resistência ao corte do cabelo e o barbeiro tinha dificuldade em fazer o seu trabalho. Quando alguém levava mais de um miúdo, a complicação ainda era maior. Leonel cortava o cabelo às meninas até à idade em que iam à cabeleireira. Miúdos e miúdas eram em geral acompanhadas pelas mães, que entravam assim num meio quase reservado a homens.

Claro que Leonel teve de acompanhar modas. Por exemplo, o risco, em geral à esquerda, ao meio menos frequentemente, quase desapareceu. A moda de maior impacto e mais duradoura veio com o aparecimento do grupo musical dos Beatles, que trouxe a moda do cabelo grande, que muito jovem adotou ao mesmo tempo que era rejeitada por pessoas mais idosas. Quem aderia a essa moda, recorria ao barbeiro quando o cabelo já estava demasiadamente grande. A moda impunha que, depois dos cuidados do barbeiro, o cabelo continuasse grande. Independentemente de modas, cortar o cabelo tem os seus segredos, porque há várias variedades de cabelo, cada uma pedindo um tratamento diferente.

Também Leonel cortou o cabelo a muito rapaz que ia entrar no serviço militar, onde se exigia um certo tipo de corte que ele conhecia com a sua experiência.

Até à chegada da luz elétrica, aí por 1960, Leonel usava um petromax, que dá uma luz muito forte, mas cansa a vista. Leonel chegou a usar óculos, mas a sua vista recuperou com a luz elétrica. Para quem não sabe ou não se lembra, um petromax era um candeeiro de petróleo, que a uma forte pressão caía em forma de vapor dentro duma camisa de seda incandescente em forma de lâmpada, protegida por um cilindro em vidro.

Também houve alteração nas ferramentas do barbeiro. Por exemplo, a máquina de barbear que o barbeiro manejava com mestria produzindo um som caraterístico é hoje eléctrica. Leonel teve de acompanhar estas evoluções.

Leonel não deixou também de se dedicar a atividades agrícolas, de que tem bons conhecimentos. Trabalhou também em lagares. Trabalhou mesmo em lagares fora de Mouriscas, interrompendo por algum tempo a atividade de barbeiro. Claro que era mais fácil dedicar-se a atividades agrícolas antes de o pessoal trabalhar oito horas e aparecer na barbearia mais ao fim do dia ou no fim de semana.

Uma pergunta que às vezes se faz é esta: quem corta o cabelo aos barbeiros? Leonel recorria ao serviço dos colegas de Mouriscas, com quem sempre se deu bem. Durante vários anos, Leonel e Domingos de Matos, dos Engarnais, foram barbeiros um do outro.

Desde há anos que Leonel é o único barbeiro do sul da freguesia. Com a morte recente de Joaquim de Matos, é o único estabelecido em Mouriscas.Leonel recebe fregueses de vários locais de Mouriscas e também de outras localidades ao redor.

Em linhas gerais, esta foi a vida de Leonel Maia Jorge, uma pessoa a quem certamente muita gente está grata pela cortesia e competência com que tem sido servida. Oxalá continue com saúde e a servir quem o procura!

 

*O administrador deste blogue agradece a Leonel Maia Jorge as informações fornecidas para a redação deste artigo.