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MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

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Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

Memórias dum regedor

22.01.09 | João Manuel Maia Alves

 

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Martinho Maia, o último regedor

 

O regedor era uma autoridade a nível de freguesia. Era há umas décadas uma figura importante. Instituições como a GNR tinham os seus quartéis em vilas e cidades. O seu deslocamento não era fácil, devido aos lentos meios de transporte e às más vias de comunicação. As comunicações telefónicas eram deficientes. Por tudo isso, precisava-se de alguém com prestígio e força para manter a ordem e a tranquilidade nas freguesias. Se necessário, o regedor prendia pessoas. Ainda há quem se lembre de em Mouriscas o regedor colocar pessoas na prisão que existia nas traseiras do edifício da Junta de Freguesia. Algumas pessoas que em Mouriscas desempenharam as funções de regedor foram José Pires, António Raposeiro, Ezequiel da Silva Rosa, Francisco Margarido e Martinho Maia. Martinho Maia foi o último regedor de Mouriscas. Merece, por isso, um artigo neste blogue.

Martinho Bento da Silva Maia nasceu em 10 de setembro de 1930, em Entre Serras, filho de Maria Felismina de Jesus e António da Silva Maia. Entre Serras é o nome bem apropriado dum local de Mouriscas, que, como as vizinhas Lercas, fica a uma considerável distância dos outros lugares habitados da freguesia. O lugar de Entre Serras foi há até há alguns anos servido por uma escola primária, que Martinho Maia frequentou, mantendo-se no lugar até aos dezassete anos. Depois começou a trabalhar na fábrica de azulejos do seu tio Domingos Gonçalves, localizada na Balsa, junto da estrada da antiga estação de caminhos-de-ferro. Aí se manteve até 1980, tendo trabalhado depois na construção civil até se reformar. Em 1954 casou com Emília Alves Gomes para o lugar do Pombo, muito perto do local onde hoje passa a autoestrada A23.

Foi uma surpresa para Martinho Maia ter sido indigitado para regedor, não sabendo quem teve a ideia da sua escolha. O que é certo é que em 1975 tomou posse do cargo na Câmara Municipal de Abrantes. Foi o advogado Correia Semedo, que desempenhava as funções de presidente da câmara, quem lhe conferiu posse.

Martinho Maia desempenhou as funções de regedor até 1979, ano em foi abolido o cargo de regedor. Vamos ver, em linhas gerais, que tarefas teve de desempenhar Martinho Maia como regedor.

Competia ao regedor zelar pela manutenção da ordem na freguesia resolvendo pequenos conflitos que não exigiam a intervenção de outras autoridades. Se, por exemplo, uma pessoa se queixava de o gado dum vizinho lhe ter destruído um plantação de couves, chamava as duas partes para tentarem resolver o problema e a possível compensação. Poderia acontecer também que uma pessoa se queixava de alguém lhe ter usurpado parte duma propriedade mudando os marcos separadores. Num caso destes poderia convocar as partes e, na presença de testemunhas e das cadernetas das propriedades, tentar que as partes se entendessem e se chegasse a uma conclusão e decisão. Quem apresentava uma queixa a Martinho Maia apresentava naturalmente uma versão dos factos favorável aos seus interesses e não necessariamente condizente com a verdade. O queixoso poderia mesmo ser o causador daquilo de que se queixava. Por isso, Martinho Maia tinha que examinar com cuidado os factos e a argumentação dos envolvidos para discernir a verdade e poder ser um juiz justo e imparcial.No caso de ocorrências mais graves que excedessem a sua capacidade de intervenção comunicava o caso à GNR, com quem sempre manteve estreito contacto, mas, na medida do possível, tentava mediar e resolver as questões a nível local, sem recorrer a outras autoridades.

Outra tarefa que incumbia a Martinho Maia era a distribuição de editais. Se recebia, por exemplo, um edital estabelecendo datas de vacinação de cães, procedia à sua colocação em vários locais públicos – paredes de edifícios e interiores de estabelecimentos. Regedores anteriores tiveram auxiliares chamados cabos-chefes. Tal não sucedeu com Martinho Maia. Tinha de proceder à distribuição por numerosos locais deslocando-se na sua bicicleta a pedais. Quem conhece a dispersão de Mouriscas e as suas numerosas vias com forte inclinação faz uma ideia do que tal significava em tempo e esforço. Refira-se, a propósito que o cargo não tinha qualquer remuneração.Sabe-se como a freguesia de Mouriscas é dispersa. Não há muita gente que conheça todos os seus lugares. Foi no seu cargo de regedor que Martinho Maia conheceu todos os lugares da freguesia.

Outra tarefa que competia a Martinho Maia era a distribuição de avisos ou contrafés da GNR.Por vezes Martinho Maia tinha que atestar na sua qualidade de regedor algum facto como, por exemplo, a presença em férias dum agente duma corporação como a Guarda-Fiscal, para o que emitia uma declaração assinada e autenticada com o carimbo da sua função.

A melhor recordação que Martinho Maia guarda das suas funções de regedor é o ter procurado resolver pelo melhor as questões que lhe puseram e nunca ter sido acusado de incompetência ou parcialidade. Acha que desempenhou uma função útil o melhor que pôde.

Martinho Maia também foi chefe de escuteiros, um movimento virado para o serviço aos outros – qualidade que um bom regedor não podia dispensar.

Martinho Maia foi o último regedor de Mouriscas. Esse é um interessante facto histórico que quisemos assinalar. Não podemos deixar de realçar, também, a forma como desempenhou o cargo – com eficiência e sem outra remuneração que a gratidão de pessoas que ajudou e a satisfação do dever cumprido. Obrigado, Martinho!