Ópera nas festas de Verão
30.01.07 | João Manuel Maia Alves
Em Mouriscas realizaram-se por volta dos anos 1950 e 1960 grandiosos festejos de Verão. Ainda não se falou deles neste blogue. Aliás, há muitos assuntos referentes a Mouriscas ainda não abordados, apesar de o blogue se publicar desde Agosto de 2004, quase sempre com artigos semanais. Não estão esquecidos.
Vamos hoje falar duma noite das festas de Verão em que se cantou ópera. Ópera???!!! Este não deve estar bom da cabeça poderão comentar alguns leitores. É verdade, como vamos ver, houve uma noite das festas de Verão de Mouriscas em que se cantou ópera.
Actuou nas festas de Verão de Mouriscas a fina-flor dos artistas de então cançonetistas, fadistas, tocadores de guitarra e viola, acordeonistas. Também tivemos a presença de talentosos pianistas, declamadores e dançarinos. Numa noite de 1954 ou 1955 compareceram no Largo do Espírito Santo, nas Ferrarias, três notáveis artistas os cantores Luís Piçarra, Max e Joaquim Cordeiro. Presente estava também o locutor da rádio Miguel Simões.
Diga-se antes de continuar que este artigo é escrito totalmente a partir da memória do autor. Falhas são possíveis, mas é convicção do autor que o essencial está certo.
O elenco que nessa noite actuou em Mouriscas era de molde a proporcionar um espectáculo de sonho. Luís Piçarra e Max eram artistas com nome feito, capazes de cantar e encantar. Assim sucedeu nessa noite de Verão mourisquense, com o largo a abarrotar de mourisquenses e visitantes. Deliciaram os presentes. Joaquim Cordeiro era muito divertido, dado o carácter humorístico dos versos que cantava. A partir de Uma Casa Portuguesa, de Artur Fonseca, compôs Uma Casa Bera. Paródias humorísticas construiu a partir de outras conhecidas canções. Quando apresentava as suas composições, fazia-o mais ou menos assim: Vou cantar Uma Casa Bera, uma criação de Artur Fonseca, uma má-criação minha. Joaquim Cordeiro deliciou também o público mourisquense. A certa altura disse em ar de brincadeira qualquer coisa do género: Olha para este peitoril, oh Piçarra. O que Piçarra cantava exigia bons pulmões.
Também Miguel Simões encantou o público com a sua forma de apresentar os artistas e com as suas anedotas. Também foi interessante ouvir como a sua carreira estava ligada à de Max.
A certa altura da actuação de Luís Piçarra, conhecido hoje de muita gente por cantar o hino do Benfica, Miguel Simões anunciou ao público mourisquense mais ou menos isto: E agora, minhas senhoras e meus senhores, Luís Piçarra vai cantar para todos vós o Fígaro da ópera O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Seguiram-se mais ou menos cinco minutos em que Piçarra cantou em italiano esse belíssimo trecho de ópera. A maior parte dos mourisquenses e visitantes reunidos nessa noite no Largo do Espírito Santo em Mouriscas nunca tinha ouvido cantar ópera. Muitos não voltaram a ouvir. Todos devem ter gostado mesmo sem perceber os versos.
Foi assim esta noite mágica dos festejos de Verão de outros tempos em Mouriscas. Oxalá este artigo tenha criado o desejo de recordar ou de saber mais sobre estas festividades. Ficam prometidos mais artigos sobre o assunto sem compromissos com datas.
Já agora um pouco sobre esse Fígaro da peça que Piçarra cantou em Mouriscas. O Barbeiro de Sevilha é uma ópera ou seja uma peça de teatro cantado e acompanhado por uma orquestra. É uma ópera cómica em que o Conde de Almaviva deseja casar com a jovem Rosina, pupila do velho Dr. Bártolo, que, por causa do seu avultado dote, também a quer desposar. O conde é ajudado pelo barbeiro Fígaro, um factótum, isto é um fura-vidas, um indivíduo que se envolve em múltiplas actividades. No trecho cantado por Piçarra, Fígaro entra em cena pela primeira vez e faz galas das suas capacidades. Aqui vai um excerto para termos uma ideia do que, nessa já longínqua noite de Verão mourisquense, Piçarra cantou com a sua potente voz.
Ah, que vida bela, que grande prazer, para um barbeiro, de qualidade, de qualidade!
Ah, bravo, Fígaro, bravo, bravíssimo, bravo! Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Afortunadíssimo és na verdade! Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Pronto a fazer tudo, de noite e de dia sempre a dar voltas movendo-se está. Melhor bocado para um barbeiro, vida mais nobre, não, não há. Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Navalhas e pentes, bisturis e tesouras às minhas ordens tudo aqui está, são os recursos pois do ofício com a senhorinha, com o cavalheiro. Ah, que bela vida, que grande prazer, que grande prazer para um barbeiro de qualidade, de qualidade! Todos me chamam, todos me querem, mulheres, rapazes, velhos, raparigas. Traz a peruca rápido a barba traz as sanguessugas, rápido a carta! Fígaro, Fígaro, Fígaro! Ai de mim! Ai de mim! Que fúria! Ai de mim! Que multidão! Um de cada vez, por caridade! Fígaro! Estou aqui. Eh, Fígaro! Estou aqui. Fígaro cá, Fígaro lá, Fígaro cá, Fígaro lá, Fígaro acima, Fígaro abaixo, Fígaro acima, Fígaro abaixo! Rápido, rapidíssimo sou como o raio, sou o factótum da cidade!
Nessa noite de Verão ouviram-se em Mouriscas vários estilos musicais, desde as canções humorísticas de Joaquim Cordeiro a um trecho de ópera de Luís Piçarra, passando pela linda voz madeirense de Max. Foi um serão de magia e encanto, como o foram muitas outras noites das festas de Mouriscas de há coisa de meio século.
João Manuel Maia Alves
Vamos hoje falar duma noite das festas de Verão em que se cantou ópera. Ópera???!!! Este não deve estar bom da cabeça poderão comentar alguns leitores. É verdade, como vamos ver, houve uma noite das festas de Verão de Mouriscas em que se cantou ópera.
Actuou nas festas de Verão de Mouriscas a fina-flor dos artistas de então cançonetistas, fadistas, tocadores de guitarra e viola, acordeonistas. Também tivemos a presença de talentosos pianistas, declamadores e dançarinos. Numa noite de 1954 ou 1955 compareceram no Largo do Espírito Santo, nas Ferrarias, três notáveis artistas os cantores Luís Piçarra, Max e Joaquim Cordeiro. Presente estava também o locutor da rádio Miguel Simões.
Diga-se antes de continuar que este artigo é escrito totalmente a partir da memória do autor. Falhas são possíveis, mas é convicção do autor que o essencial está certo.
O elenco que nessa noite actuou em Mouriscas era de molde a proporcionar um espectáculo de sonho. Luís Piçarra e Max eram artistas com nome feito, capazes de cantar e encantar. Assim sucedeu nessa noite de Verão mourisquense, com o largo a abarrotar de mourisquenses e visitantes. Deliciaram os presentes. Joaquim Cordeiro era muito divertido, dado o carácter humorístico dos versos que cantava. A partir de Uma Casa Portuguesa, de Artur Fonseca, compôs Uma Casa Bera. Paródias humorísticas construiu a partir de outras conhecidas canções. Quando apresentava as suas composições, fazia-o mais ou menos assim: Vou cantar Uma Casa Bera, uma criação de Artur Fonseca, uma má-criação minha. Joaquim Cordeiro deliciou também o público mourisquense. A certa altura disse em ar de brincadeira qualquer coisa do género: Olha para este peitoril, oh Piçarra. O que Piçarra cantava exigia bons pulmões.
Também Miguel Simões encantou o público com a sua forma de apresentar os artistas e com as suas anedotas. Também foi interessante ouvir como a sua carreira estava ligada à de Max.
A certa altura da actuação de Luís Piçarra, conhecido hoje de muita gente por cantar o hino do Benfica, Miguel Simões anunciou ao público mourisquense mais ou menos isto: E agora, minhas senhoras e meus senhores, Luís Piçarra vai cantar para todos vós o Fígaro da ópera O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Seguiram-se mais ou menos cinco minutos em que Piçarra cantou em italiano esse belíssimo trecho de ópera. A maior parte dos mourisquenses e visitantes reunidos nessa noite no Largo do Espírito Santo em Mouriscas nunca tinha ouvido cantar ópera. Muitos não voltaram a ouvir. Todos devem ter gostado mesmo sem perceber os versos.
Foi assim esta noite mágica dos festejos de Verão de outros tempos em Mouriscas. Oxalá este artigo tenha criado o desejo de recordar ou de saber mais sobre estas festividades. Ficam prometidos mais artigos sobre o assunto sem compromissos com datas.
Já agora um pouco sobre esse Fígaro da peça que Piçarra cantou em Mouriscas. O Barbeiro de Sevilha é uma ópera ou seja uma peça de teatro cantado e acompanhado por uma orquestra. É uma ópera cómica em que o Conde de Almaviva deseja casar com a jovem Rosina, pupila do velho Dr. Bártolo, que, por causa do seu avultado dote, também a quer desposar. O conde é ajudado pelo barbeiro Fígaro, um factótum, isto é um fura-vidas, um indivíduo que se envolve em múltiplas actividades. No trecho cantado por Piçarra, Fígaro entra em cena pela primeira vez e faz galas das suas capacidades. Aqui vai um excerto para termos uma ideia do que, nessa já longínqua noite de Verão mourisquense, Piçarra cantou com a sua potente voz.
Ah, que vida bela, que grande prazer, para um barbeiro, de qualidade, de qualidade!
Ah, bravo, Fígaro, bravo, bravíssimo, bravo! Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Afortunadíssimo és na verdade! Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Pronto a fazer tudo, de noite e de dia sempre a dar voltas movendo-se está. Melhor bocado para um barbeiro, vida mais nobre, não, não há. Lá ran lá lera, lá ran lá lá. Navalhas e pentes, bisturis e tesouras às minhas ordens tudo aqui está, são os recursos pois do ofício com a senhorinha, com o cavalheiro. Ah, que bela vida, que grande prazer, que grande prazer para um barbeiro de qualidade, de qualidade! Todos me chamam, todos me querem, mulheres, rapazes, velhos, raparigas. Traz a peruca rápido a barba traz as sanguessugas, rápido a carta! Fígaro, Fígaro, Fígaro! Ai de mim! Ai de mim! Que fúria! Ai de mim! Que multidão! Um de cada vez, por caridade! Fígaro! Estou aqui. Eh, Fígaro! Estou aqui. Fígaro cá, Fígaro lá, Fígaro cá, Fígaro lá, Fígaro acima, Fígaro abaixo, Fígaro acima, Fígaro abaixo! Rápido, rapidíssimo sou como o raio, sou o factótum da cidade!
Nessa noite de Verão ouviram-se em Mouriscas vários estilos musicais, desde as canções humorísticas de Joaquim Cordeiro a um trecho de ópera de Luís Piçarra, passando pela linda voz madeirense de Max. Foi um serão de magia e encanto, como o foram muitas outras noites das festas de Mouriscas de há coisa de meio século.
João Manuel Maia Alves