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MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

Monsenhor Martinho Lopes Maia (3)

19.12.06 | João Manuel Maia Alves
mons_maia-3.jpg(Continuação)Vimos no fim do último artigo que em 1916 Monsenhor Lopes Maia terminou o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Desenvolvia então múltiplas actividades em Elvas – padre, professor, capelão militar. Outras lhe estavam reservadas, como vamos ver.No plano político, as coisas tinham de algum modo acalmado, centrando-se mais as atenções no desenvolvimento das hostilidades da l Grande Guerra. A carreira militar continuava e o Dr. Martinho Lopes Maia iniciava mais uma carreira – a de advogado –, que acumulava com todas as outras. Mas mais! Como homem dinâmico, versátil e empreendedor, dotado de sólidos conhecimentos de Teologia, Letras, Direito Canónico e Direito Civil, fundou e iniciou a publicação de uma revista – a Revista de Direito Canónico que teve expansão e sucesso até à extinção, nos anos 30, quando Monsenhor Maia foi afectado por uma grave crise de fígado. A Revista foi também implementada por dois arcebispos de Évora: D. Augusto Eduardo Nunes e D. Manuel Mendes da Conceição Santos e pelo escritor e político António Sardinha.Tanto no múnus sacerdotal como em todas as outras actividades que exerceu, Monsenhor Martinho Lopes Maia deixou bem marcado o seu distinto cunho pessoal, a par de um notabilíssimo desempenho.Como professor, era indiscutivelmente o mais sabedor e competente de todos os que leccionavam no Colégio Elvense. A sua simples presença impunha-se para que as aulas, naquele estabelecimento onde com frequência reinava a indisciplina, decorressem em silêncio e com a devida atenção dos alunos.Como militar, o capelão Martinho Lopes Maia deixou um rasto de prestígio e de saudade. Pelos seus dotes intelectuais e de oratória, era sempre encarregado de representar o Quartel em discursos oficiais e de protocolo. Muitos anos depois o Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves, sobrinho-neto de Monsenhor Maia, contactou, quando exerceu as funções de delegado do Procurador da República em Elvas e Tomar e de relator no Supremo Tribunal Militar, militares que recordavam o seu tio com saudade e admiração. Também na advocacia, o Dr. Martinho Lopes Maia foi um notável causídico, com repetidos sucessos e proveitosos proventos. O Professor Matias Lopes Raposo, um outro mourisquense a quem tanto ficámos a dever, possuidor de uma veia poética pouco conhecida, dedicou-lhe em 1959 um soneto-perfil em que, além de outros, versou os seus dotes de advogado. É do seguinte teor: Nasceu em Mouriscas este doutorQue no Direito foi muito afamadoUsufruiu o título de MonsenhorQue pelo Santo Padre lhe foi dado. Foi também competente professor Em Elvas estabeleceu colégioVeio de baixo, do povo, este SenhorE não da nobreza, do privilégio. Por isso, subiu e foi um valorQue de todos se tornou conhecidoDe certa Revista foi director. E no combate foi sempre temidoPorque a sua clava de lutadorO inimigo deixava aturdido.Quando o Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves exerceu funções no Supremo Tribunal de Justiça como magistrado do Ministério Público e como juiz conselheiro, nos primeiros anos relacionou-se estreitamente com condiscípulos do Dr. Martinho Lopes Maia, designadamente com os conselheiros Silva e Sousa, Avelino Moreira e Amílcar José Ribeiro. Todos muito bem dele se recordavam, tanto mais que era o único sacerdote daquele curso, salientando sempre a sua distinta figura. E na celebração dos quarenta anos de formatura, realizada em Coimbra em 22 de Junho de 1956, o condiscípulo Martinho Lopes Maia não faltou, ficando na fila da frente, em lugar de destaque, na fotografia da praxe.Nos anos 20 um jornal de Elvas inseriu uma caricatura de Monsenhor Maia focando toda a sua versatilidade, incluindo a de jogador de cartas.Em 1 de Setembro de 1950 Monsenhor Martinho Lopes Maia celebrou em Mouriscas as suas bodas de ouro sacerdotais, a que se associaram os mais notáveis dos seus conterrâneos, o regedor e a Junta de Freguesia. Presidiu às celebrações Dom Manuel Mendes da Conceição Santos, arcebispo de Évora. Sem que o alardeasse, Monsenhor Martinho Lopes Maia muito fez pela sua terra. Com dificuldade e muita persistência, convenceu seu sobrinho Dr. João Gualberto Santana Maia bem como o sogro deste, Professor Matias Lopes Raposo, a, na sequência do curso de formação de ferroviários, então por vezes conhecido como universidade ferroviária, fundarem um colégio, manifestando-lhes vivamente a ideia de que o futuro era mais para quem tivesse habilitações do que para quem continuasse a dedicar-se à pequena agricultura, já então em franca decadência. Sabe-se que o Colégio Infante de Sagres teve um impacto extremamente positivo na vida de Mouriscas e de muitos dos seus habitantes. Monsenhor Martinho Lopes Maia – um mourisquense que merece ser conhecido ou recordado. Foi brilhante o seu percurso pessoal. Sem a sua acção poderiam ter sido bem diferentes a história de Mouriscas e a de muitos mourisquenses. Texto elaborado com base em apontamentos redigidos pelo Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves, sobrinho-neto de Monsenhor Martinho Lopes Maia.

Monsenhor Martinho Lopes Maia (2)

12.12.06 | João Manuel Maia Alves
(Continuação)mons_maia-2.jpgVimos no artigo anterior que Monsenhor Martinho Lopes Maia começou por ser ajudante de caixeiro em Almada e, foi, em seguida, aprendiz de alfaiate em Alvega. Foi depois professor primário em Castelo Branco. Seguiu-se a frequência do seminário de Portalegre, após o que celebrou a primeira missa em Mouriscas, em 1900. Vemo-lo depois a frequentar o Curso Superior de Letras em Lisboa. Ainda a República não tinha sido implantada. Vamos ver o que se segue na vida deste dinâmico mourisquense. Mal terminado o Curso Superior de Letras foi aberto concurso para o quadro oficial de capelão militar, cargo muito pretendido e de prestígio quando o catolicismo era religião oficial no reino. O Padre e já Doutor Martinho Lopes Maia concorreu, obtendo lugar cimeiro entre muitos outros concorrentes. Como capelão militar, em que obteve o posto de capitão, foi colocado em Elvas, no Quartel de Cavalaria e seguidamente nomeado pároco da paróquia de Nossa Senhora da Assunção, extinta Sé de Elvas, conjuntamente com São Braz de Varche, localidade para Sul, a uns 5 quilómetros da cidade, e ainda vigário-geral da Vigararia-Geral de Elvas.Elvas era uma praça-forte militar de elevado valor estratégico, mas também com arraigadas tradições religiosas e literárias. Enquanto sede de diocese aí existira um seminário, de que persistiam recordações. No momento, a cidade e terras limítrofes careciam de um estabelecimento de ensino secundário. O padre, doutor e capelão militar Martinho Lopes Maia, ciente das carências da cidade, das suas aptidões e com o seu dinamismo empreendedor, fundou o Colégio Elvense, de que, além de fundador, foi proprietário, director e professor.Ao Colégio Elvense muito ficaram a dever Elvas e Mouriscas. Quanto a Elvas, além da opinião generalizada de alguns ilustres elvenses, há fotografias bem conservadas de muitos alunos, oferecidas como prova de reconhecimento. Quanto a mourisquenses, vários foram tirar o curso secundário no Colégio Elvense, gratuitamente ou em condições económicas mais favoráveis. Entre eles contam-se os Doutores Manuel Agostinho Santana Maia, António Maria Santana Maia, João Gualberto Santana Maia, Manuel Lopes Maia Gonçalves, sobrinhos de Monsenhor Maia, e o Doutor Manuel Marques Esparteiro, que depois foi professor de Matemática na Universidade de Coimbra.Um dos sacerdotes radicados em Elvas com quem o Padre Martinho Lopes Maia logo se relacionou foi o Padre Serrão, pessoa muito em destaque na época porque, ao contrário da generalidade dos outros sacerdotes, era um republicano muito convicto e activo, que em comícios pregava o advento da República, incluindo, na expressão usada pelo seu já amigo Padre Maia "o bacalhau a pataco e o fim dos impostos". Proclamada a República, o Padre Serrão logo foi proclamado presidente da câmara municipal de Elvas. Mas era um homem íntegro e sincero, que acreditava, muito convictamente, na realização de tudo o que a República vinha prometendo. Decorrido pouco tempo, e constatando que as coisas não caminhavam como prometera, abandonou a política activa, sem deixar de ser republicano. Em Elvas, certamente devido à influência do Padre Serrão, a República não molestou qualquer sacerdote. Porém, Monsenhor Maia era dotado de um enorme espírito de previdência, segundo ele confessava devido às dificuldades que encontrara nos verdes anos da infância e da juventude. Se a República pouco o molestou nas suas funções eclesiásticas, muito temeu pela continuação da carreira militar. E, prevendo a possível extinção do cargo, como medida preventiva contra tal eventualidade, resolveu tirar o curso de Direito, para o que se matriculou como aluno voluntário na Faculdade de Direito de Coimbra, que frequentou de 1911 a 1916, ano em que terminou o curso.(Continua)Texto elaborado com base em apontamentos redigidos pelo Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves, sobrinho-neto de Monsenhor Martinho Lopes Maia

Monsenhor Martinho Lopes Maia

07.12.06 | João Manuel Maia Alves

mons_maia-1.jpg

Monsenhor Martinho Lopes Maia nasceu na Quinta de Santo António, no Tojal, em 3 de agosto de 1877, e faleceu em Elvas, em 15 de novembro de 1963. Foi sepultado em Mouriscas, em campa rasa. Foram seus pais Joaquim Lopes Maia Pita e Maria de Oliveira. Era bisneto de António Ferreira Santana, homem de destaque na época, nascido em Alagoa, concelho de Portalegre, em 1789 e de Luísa Lopes, nascida por volta de 1801, na Cabeça de Alconde, freguesia de S. Vicente, do concelho de Abrantes. Deste casal descendem os Santanas com origem em Mouriscas.

A mãe de Monsenhor Maia pouco tempo sobreviveu ao nascimento deste filho, que a deixou com a saúde muito abalada. Na falta de mãe foi muito amparado e acarinhado por duas tias irmãs do seu pai: a Tia Rita, do Casal Fundeiro, e a Tia Eugénia, residente no Convento e sua madrinha. Recordava-as com frequência e com saudade e sentimento de gratidão: a primeira, porque, tendo vários filhos, o acarinhava e amparava como se seu filho fosse; a segunda porque, com o marido, também sempre o amparou e ambos organizaram a celebração da sua ordenação sacerdotal com grande pompa e muito gasto de seu bolso.

Falecida a mãe em 18 de maio de 1886 e com a saúde do pai também já precária e tudo agravado pelo forte abalo sofrido, o jovem Martinho, a par de uma quase autoaprendizagem das primeiras letras e mostrando já uma ilimitada capacidade de enfrentar a vida e remover todas as montanhas e dificuldades que viesse a encontrar, emprega-se como ajudante de caixeiro em Almada. Foi aí que recebeu a notícia da morte do pai, ocorrida em 21 de março de 1893, tendo ele  portanto. 15 anos de idade.

Pouco tempo mais tempo duraria a sua estadia em Almada. Seguiu-se um ensaio de nova preparação para a vida – o de aprendiz de alfaiate em Alvega, certamente devido ao facto de aí ser pároco, com enorme autoridade e fama de orador invulgar, seu tio, irmão do avô materno, Padre Severino Ferreira Santana, a quem este blogue dedicou dois artigos em abril e maio de este ano. Com a ajuda do Padre Severino e de duas tias também residentes em Alvega e muito cultas para sua época, o ainda jovem Martinho, sentindo-se pouco vocacionado para alfaiate, melhorou os conhecimentos de letras, incluindo o Latim, e de Aritmética.

Como a profissão de alfaiate não o seduzia, o jovem Martinho, com os conhecimentos já adquiridos, ensaiou mais altos voos. E assim, com 21 anos, era já professor de instrução primária em Castelo Branco, depois de formação obtida na Escola Normal desta cidade.

À mente do então professor Martinho Lopes Maia aflorava várias vezes a ideia de seguir a carreira sacerdotal. E meditando profundamente, concluiu que para tanto tinha vocação, cimentada por uma fé inabalável e por se recordar que sua mãe, que mal conhecera mas de quem tantas saudades tinha, havia expressado o desejo de ter um filho sacerdote.

Inscrito no seminário de Portalegre, foi o seminarista Martinho Lopes Maia dispensado tios estudos preparatórios já que se encontrava dotado das necessárias habilitações, sendo ordenado após três anos de frequência. A sua primeira missa foi celebrada em Mouriscas em 1900, dez anos antes da implantação da República.

Colocado como pároco da Chança e sentindo-se preterido na colocação em outra paróquia mais desejada, obteve uma licença para continuação dos estudos e matriculou-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa, obtendo licenciatura ao fim do tempo regulamentar. Neste curso obteve conhecimentos aprofundados do Português e do Latim, mas também do Francês, que falava fluentemente, e do Inglês, línguas que lecionou durante anos no Colégio Elvense. Do Grego obteve um conhecimento elementar, tudo isto para além de algumas noções básicas do Hebraico e do Sânscrito.

No Curso Superior de Letras imediatamente se relacionou e estabeleceu uma estreita amizade com outro sacerdote, que perdurou pela vida fora, apesar de ele, com o aproximar da implantação da República, ter apostatado. Chamava-se João Lopes Soares. Um dos seus dois filhos, o Dr. Mário Soares, viria a ser Presidente da República.

(Continua)

Texto elaborado com base em apontamentos redigidos pelo Juiz Conselheiro Manuel Lopes Maia Gonçalves, sobrinho-neto de Monsenhor Martinho Lopes Maia.