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MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

Dr. João Santana Maia (2)

30.05.06 | João Manuel Maia Alves
Um encontro do passado com o presenteRecordar o ilustre mourisquense Dr. João Gualberto Santana Maia. (Continuação)J. Santana Maia.JPGA sua opção não deixava dúvidas a quem quer que fosse. Escolhera o campo, a sua terra natal, de cariz rural, o interior do País para exercer a sua profissão, rejeitando um honroso convite que lhe teria permitido continuar em Coimbra, com outras condições de trabalho e outro estatuto.Embora durante parte do tempo em que cursou Medicina tivesse sempre tido explicandos, ao chegar a Mouriscas nunca pensou em ensinar. O seu propósito era, apenas e tão só, exercer a profissão de médico.Mas algum tempo depois a situação viria a alterar-se. Tudo mudou com o namoro e depois casamento com a jovem Cremilde, filha do casal de professores primários Maria Amélia e Matias Lopes Raposo.Nesse tempo já o professor Matias Raposo,costumava preparar alunos para o 3º ano liceal e para concursos do Caminho de Ferro e dos Correios, aos quais ministrava Matemática, Geografia e Português.Com o aumento de pretendentes ao ensino para o Caminho de Ferro, o seu sogro Matias Raposo, que tinha de cumprir as suas obrigações oficiais, como professor e oficial do Registo Civil, passou a andar deveras assoberbado.Foi então, ao ver tal situação, que o jovem médico João Gualberto, com algum tempo disponível, resolveu dar uma ajuda, que não lhe foi solicitada, passando a ficar responsável pelas explicações de Matemática. Foi assim que estes dois familiares mourisquenses, começaram a trabalhar em conjunto.A preparação escolar tinha a duração de três meses e o pleno êxito nos concursos depressa se divulgou por todo o País ao ponto da Escola de explicações ser conhecida no meio ferroviário como “Universidade Ferroviária de Mouriscas”. Foi então que às Mouriscas começou a chegar gente de todo o Portugal.Entrementes, surgiu um facto novo que viria a traçar novos rumos de vida para muitos jovens mourisquenses, até, então, dificilmente, concretizáveis. Os Caminhos de Ferro haviam fechado os concursos.Face a tal acontecimento, muitos explicandos viram goradas as suas expectativas e de modo a aproveitar os conhecimentos já adquiridos, solicitaram aos responsáveis pela Escola de Explicações que lhes ministrassem os saberes necessários de modo a poderem propor-se ao exame do 3 ano liceal. Aceite a pretensão e concluída com êxito esta primeira fase do ensino liceal, logo surge um novo pedido. Agora pretendiam alcançar o 6º ano liceal e para tanto serem preparados para o efeito. Os seus desejos foram satisfeitos. O sucesso verificado nos exames divulgou-se e começaram a chegar a Mouriscas alunos de todo o País.Foi assim que na freguesia de Mouriscas nasceu, em 1938, o Colégio Infante de Sagres, mais tarde Externato Infante de Sagres, que, embora não legalizado, já tinha muitos alunos. Viria a ser legalizado em 1948, chegando a ministrar o 7º ano do liceu.anuncio colegio.jpgFoi nesta altura que o nosso ilustre Dr. Santana Maia, sempre curioso e interessado na procura de novos conhecimentos e na valorização profissional, pensou em especializar-se em Oftalmologia e depois abrir consultório, desta especialidade, na cidade de Abrantes.Tinha planeado matricular-se do Instituto Gama Pinto, deslocando-se dois ou três, por semana, a Lisboa, com ida e volta, no mesmo dia. De carro ou de comboio.Começou a preparar-se com antecedência, comprando e estudando livros daquela área científica. Contudo, rebentara a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que originou uma grave crise energética que teve implicações imediatas nos transportes públicos e particulares. Os horários dos comboios deixaram de cumprir-se e os automóveis de circular por falta de gasolina. Estes factos viriam a adiar os seus planos, no que respeita à ambicionada especialização.Mas por muito estranho que pareça, a frequência do Colégio aumentou neste período de crise e, em 1945, a gestão e aulas já tomavam muito tempo aos seus dois dirigentes.Foi então que o Dr. João Santana Maia, por falta de tempo para as duas actividades, teve de escolher entre o ensino e a especialidade. A opção foi o ensino e o desenvolvimento do Colégio, como actividades complementares da sua profissão de médico.De qualquer modo, o investimento que havia feito com compra e leitura de obras da especialidade, ser-lhe-ia muito útil na sua vida profissional. Os conhecimentos adquiridos dar-lhe-iam uma preciosa ajuda no tratamento dos olhos dos seus doentes.(Continua)Pesquisa e texto de: Carlos Bento, doutor em Ciências Sociais e Políticas, professor universitário e director do Centro de Estudos Sociais da ADIMO.

Dr. João Santana Maia

24.05.06 | João Manuel Maia Alves

Um encontro do passado com o presente

Recordar um ilustre mourisquense

J. Santana Maia.JPG

Para os meus conterrâneos e leitores mais jovens, que estão em contacto diário com as notícias da Net, escrevo este artigo que traz, à luz do presente, alguns traços da vida de um grande mourisquense que, como emérito e abnegado médico e ilustre professor, dedicou toda a sua vida e os seus saberes à terra que lhe deu vida e cuja memória, por fazer parte da memória identitária de Mouriscas, temos o dever sagrado de preservar e divulgar para conhecimento das novas gerações.Trata-se de João Gualberto Santana Maia, nascido em 12 de Julho de 1907, no lugar de Casal da Figueira, da nossa freguesia de Mouriscas. Fazia parte de uma numerosa família constituída pelos seus pais Severino Lopes Maia Pita e Maria Lopes e pelos seus sete filhos: o Manuel, a Maria, a Ermelinda, a Eugénia, o António, a Martinha e o João Gualberto, o mais novo. Era trineto de António Ferreira Sant’ Anna, nascido em 1789, em Alagoa, concelho de Portalegre, e de Luíza Lopes, nascida por volta de 1801, na Cabeço de Alconde, da freguesia de S. Vicente, do concelho de Abrantes. Deste casal descendem os “Santanas” com origem em Mouriscas.

Foram padrinhos do baptismo do João Gualberto, realizado na Igreja Paroquial de Mouriscas a 21 de Agosto de 1907, os seus tios, paterno Padre Martinho Lopes Maia e materno Rosária Lopes.

O seu nome e sobrenome estão relacionados com a comemoração do dia de S. João Gualberto, nascido em Florença cerca do ano 995, fundador da Ordem dos Monges Beneditinos Valombrosanos, cuja morte ocorreu no dia 12 de Julho de 1073, santo ligado ao desenvolvimento da agricultura e da silvicultura. S. João Gualberto, conhecido pelo “Herói do Perdão” foi proclamado, em 12.1.1952, pelo Papa Pio XII, Protector dos Guardas Florestais

O pai era um pequeno proprietário agrícola, de magros recursos económicos, que, com muita dificuldade, permitiam manter os filhos a estudar fora da terra. Só com a ajuda do seu irmão padre isso seria possível. As filhas, segundo o viver desses tempos, era quase impensável saírem do lar paterno para estudar.

Quando chegou a altura de o João Gualberto entrar na Universidade, os dois irmão mais velhos já estudavam, em Coimbra, medicina e direito. Era mais um problema para o pai Severino, que estava disposto a limitar os seus estudos ao 6º ano liceal.Mas a inteligência, a persistência e vontade férrea de vencer na vida do João Gualberto faria o seu pai mudar de ideias. Ajudando-o nos trabalhos agrícolas, aliás, com faziam todos os rapazes e raparigas desse tempo, pensou fazer o 7º ano dos liceus. Apenas com a ajuda de livros e sem explicadores, preparou-se, convenientemente, e de seguida, convence-o a ir a Coimbra prestar provas. Fê-lo com muito êxito, segundo as suas palavras:“... E a verdade é que cheguei a casa aprovado no 7º ano com 17 valores.” (Excerto de entrevista com o Senhor Dr. Santana Maia ao Mourisquense- Mensário de Mouriscas, Ano I, nº 5, Outº 1977)

Com esta prova de maturidade e de responsabilidade o seu tio Martinho convenceria o seu pai a deixá-lo continuar os estudos.Iria para Coimbra estudar, tendo o Conselho de Família, de que fazia parte o tio Padre, decidido escolher um Curso de menor duração e de mais baixos custos, determinando que se matriculasse nos Preparatórios da Escola Naval, com a duração de um ano lectivo, para depois seguir a carreira na Marinha.Assim aconteceu na realidade. Mas como era um jovem ambicioso, em vez das três cadeiras exigidas: Física, Desenho Rigoroso e Álgebra Superior, matriculou-se em mais três: Desenho Topográfico, Geometria Descritiva e Química Geral.Aprovado em todas as cadeiras, no ano seguinte concorreria à Escola Naval, em que existiam oito vagas para 36 candidatos. Ficou eliminado na primeira prova que era a da inspecção física. Faltara-lhe a cunha. Perder-se-ia um oficial de marinha mas a freguesia de Mouriscas viria a ganhar um grande médico e um excelente professor.Fechadas as portas da Escola Naval pensou o João Gualberto concluir a licenciatura em Matemática, Física ou Química para depois poder seguir o magistério secundário, dado a sua grande motivação pelo ensino. Contudo, face ao limitado número de liceus existentes no País e ao grande número de professores à espera de vaga e a conselho do mourisquense Francisco Agudo, licenciado em Matemática, resolveu tirar essa ideia da cabeça.Pensou, ainda, no curso de Engenharia, mas como este curso tinha poucas saídas profissionais, optou definitivamente pelo Curso de Medicina, que concluiu, com brilhantismo, em 10.11.1932, o que lhe valeu, de imediato, um honroso convite para ser assistente da Faculdade de Medicina. Convite que, dada a sua forte personalidade e amor pela liberdade, verticalidade e independência, e o seu poder de liderança, recusaria, pelas seguintes razões:“... Nunca gostei de andar vergado ao pé de ninguém, devo dizer, gostei sempre de andar de espinha erguida e eu via nesse tempo que os assistentes quando o professor catedrático ia a entrar para o seu carro particular, o assistente tinha que se descobrir, tirar o chapéu, abrir a porta e então o professor entrava. Quero dizer naquela altura o assistente era uma espécie de lacaio de professor. Ora eu sempre gostei de ser uma pessoa independente, ter a minha capacidade de decisão e nunca estar nessa situação de servilismo.” (Excerto da entrevista referida)

Concluído o Curso de Medicina, o Dr. João Gualberto, com o seu espírito de missão bem vivo, o queria era exercer a profissão de médico junto de populações rurais que tão bem conhecia, ajudar os outros sem limites.Entretanto, já tivera um primeiro convite da parte do então Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Henrique Augusto da Silva Martins, que lhe oferecia o lugar de médico de Rio de Moinhos, do concelho de Abrantes, então vago.Quando a caminho de Mouriscas, em 13.11.932, foi abordado, na estação do Rossio, por uma deputação da Câmara Municipal de Abrantes, constituída por França Machado, Josué Gonçalves e João Alves Ferreira, que procurou convencê-lo a aceitar o convite do Presidente Silva Martins.Agradeceu, penhoradamente, tal atenção, informando a delegação sem papas na língua: “... que havia decidido fixar-me na minha terra, é para a minha terra que eu vou.”

(Continua)

Pesquisa e texto de: Carlos Bento, doutor em Ciências Sociais e Políticas, professor universitário e director do Centro de Estudos Sociais da ADIMO.

Falar mourisquense (7)

16.05.06 | João Manuel Maia Alves
Este é mais um artigo dedicado a palavras e expressões de Mouriscas.

SAPATA- Pata, pé, mão, sendo bastante grosseiros os dois últimos significados. (As sapatas das galinhas ficaram marcadas neste chão de cimento. O sogro proibiu-o de pôr as sapatas lá em casa. Não pegues no livro com as sapatas sujas.)

BICHARDÉU – Tratamento afectuoso dirigido a gatos. (Anda cá, meu bichardéu.)

BUGALHO – Ovo em ninho de pássaros. Noutros tempos podia-se ouvir um miúdo dizer que tinha descoberto um ninho com seis bugalhos. Não dizia ovos para enganar as cobras. Se dissesse, as cobras poderiam ir ao ninho comer os ovos!

CAÇOLO – Não é uma caçola pequena. A caçola é um vaso de barro estreito em baixo, largo em cima e pouco alto, usado para cozer ao lume. O caçolo tem a mesma serventia e também é de barro, mas é cilíndrico. É pequeno. A caçola está em extinção porque não se adapta aos fogões actuais. O caçolo vai sobrevivendo.

FILHOTE – Natural, oriundo. (Ele não nasceu cá. É filhote de Tramagal.)

DIABO, DIABA – Fulano, fulana. (Ele casou com uma diaba de Alter do Chão.) Estas palavras não têm sentido pejorativo, mas usam-se de modo muito informal. Ninguém diria numa audiência, por exemplo, que era casado com uma diaba de Lisboa.

AVEZADO, AVEZAR – Acostumado, habituado; acostumar, habituar. (Ele está mal-avezado; não quer trabalhar. Este cão avezou-se a esta casa e está sempre aqui.) Embora estas palavras constem dos dicionários, nunca as ouvi fora de Mouriscas.

É COMO A CALDEIRA DO INFERNO; QUANDO NÃO ESCALDA, MASCARRA – Usa-se para indicar que alguém anda continuamente a praticar maldades ou traquinices.

QUANDO NÃO ESCALDA, MASCARRA – Frase mais curta que a anterior e com o mesmo significado.

GOULÃO – Que come muito e com sofreguidão. (É um goulão. Se pudesse, não deixava ficava nada para os outros comerem.)

CATRAPÃO, CATRAPÃO DAS PERNAS – Que tem dificuldade em andar. (Estou para aqui um catrapão. Ele está muito catrapão das pernas.)

CHÁ DA MEIA-NOITE – Eutanásia, morte de doente incurável para pôr termo a sofrimento. (Na opinião dele, quando uma pessoa está a sofrer e não tem salvação, era melhor dar-lhe o chá da meia-noite.) Evidentemente que a frase entre parêntese serve para exemplificar o uso da expressão. Não é uma defesa da eutanásia.

ABANAR O CHOCALHO – Abanar a cabeça. (Não estejas para aí a abanar o chocalho, porque sei bem o que se passou.)

João Manuel Maia Alves

Falar mourisquense (6)

10.05.06 | João Manuel Maia Alves
Continuemos a ver alguns termos que se usam ou usaram em Mouriscas.

RŨI (R + U com til + I) – Ruim, mau, de má qualidade. (Esta faca é rũi. Aquilo é gente rũi.) Adoentado. (Ele tem andado rũi.)

PEPINEIRO – Que come pouco ou com dificuldade. (É difícil fazer este miúdo comer como deve ser. É muito pepineiro.) Parece que este termo vem de serem enfezados os gatos nascidos na altura dos pepinos.

ATENTAR – Aborrecer, importunar. (Quando ele era pequeno, atentavam-no com a alcunha de “Zé da Burra”.)

DESALVORAR – Fugir. (Não assustes a mula, senão ela desalvora.)

FRAGONETA – Furgoneta.

BOUZILHÃO – Inchaço. (Caiu sobre uma pedra e ficou com um bouzilhão nas costas.) Dicionários editados no Brasil registam nozilhão com o mesmo sentido.

NOIVADO – Jantar oferecido depois do casamento aos padrinhos e familires chegados.

CURSO – Nos primeiros tempos do colégio em Mouriscas, algumas pessoas chamavam-lhe curso. (Então andas no curso?)

FEIJÃO-PRETO – Na maior parte do país chama-se feijão-frade.

VAGANAL – Corpolento. (Ele é um vaganal.)

ARRANÇAR – Ralhar ou zangar-se. (Andam sempre a arrançar um com o outro.)

PROPÓSITO – Modos apropriados. (Senta-te com propósito. Não tens mesmo propósito nenhum.)

AVENTAR – Atirar fora. (Avanta isso que está sujo. Ele aventou para a rua uma data de cadeiras velhas.)

POJINHO – Pequeno remoinho de vento nos meses de verão, muitas vezes atribuído a almas desencarnadas. Sítios onde se tinham enforcado pessoas eram considerados atreitos a pojinhos.

NASSENHORA – Não cortês. (Já veio o correio? Nassenhora)

João Manuel Maia Alves

Padre Severino Ferreira Sant’Anna (2)

03.05.06 | João Manuel Maia Alves
Padre Severino.jpgContinuemos a transcrição do artigo publicado pelo jornal “Echo do Tejo” aquando da morte, em Alvega, em 26 de Outubro de 1903, do ilustre mourisquense que foi o Pe. Severino Ferreira Sant’Anna. Vejamos o resto do artigo do “Echo do Tejo”, na ortografia em que foi escrito.Era homem d’um trato lhano e folgasão, e por isso todos disputavam o seu convivio.Vem a proposito contar um facto que prova a sympathia que a todos inspirava o nosso biographado. Ha annos um lavrador d'uma villa do Alemtejo, e um dos maiores amigos d'aquelle que mais de uma vez tambem nos deu provas da sua estima, casou uma filha com um medico.Fazia ao genro taes elogios do cura seu amigo que em breve o medico se poz a caminho d'Alvega para o conhecer.Algum tempo depois, estivemos na Ponte do Sor com esse medico, que nos disse que dera os seus passos por bem empregados e que em nada achou exagerados os elogios que o sogro fazia ao parocho d'Alvega.Nunca se envolveu em luctas politicas. Desdenhava-as e assistia-lhes como um mero comparsa. Apesar das rijas pelejas que n'este campo se deram no circulo de Abrantes, nunca ninguem conseguiu conquistar-lhe mais do qne o proprio voto, nem mesmo o seu particularissimo amigo D. Miguel Pereira Coutinho.Foi sempre adverso a honrarias e exterioridades, seguindo praticamente a maxima de que o habito não faz o monge.Ainda não ha muito tempo que alguem lhe disse que se pensava em conceder-lhe as honras de Monsenhor.Respondeu qne era tempo perdido porque as não acceitaria embora com ellas não fizesse a minima despesa.Honras já tinha mais do que merecia, dizia elle, porque tinha o seu sacerdocio.Foi assim que viveu o honrado cidadão e o bom padre.Passou uma viva de humildade, sem que deixasse de merecer a sympathia aos que occupavam altos cargos sociaes.Comprehendedor do espirito do Evangelho, não apertava a mão com menos carinho aos pobres do que aos grandes do mundo. Nas suas ultimas disposições determinou que queria ir no esquife á maneira dos seus parochianos mais humildes.Na sua numerosa familia, gosava d’uma autoridade patriarchal. Todos lhe tributavam o maior respeito e estima e todos hão-de sentir-lhe a falta como a de um auxiliar econselheiro insubstituivel.Auxiliou muitos parentes, alguns dos quaes hoje occupam boas posições na sociedade.Quando lhe diziam que não fosse tão dadivoso porque poderia juntar bom pecunio se moderasse a sua generosidade, respondia que havia de morrer e ainda cá havia de ficar dinheiro.Assim succedeu na verdade. Falleceu o parocho d’Alvega pelas 3 horas da manhã, e ainda deixou não muitos bens mas os sufficientes para gosar uma velhice tranquilla se a providencia não decretasse chamal-o por uma vez ás mysteriosas regiões d'alem-campa.Respeitamos as insondaveis determinações da providencia e offereçamos ao Padre Severino as nossas preces de amigos gratos.O funeralÁs 11 horas da manhã do dia em que falleceu foi o cadaver transportado para a Egreja parochial e em seguida celebrada uma missa pelo presbytero Martinho Lopes Maia, sobrinho do fallecido, a que assistiram muitas pessoas da familia.De noite estiveram vários parentes do finado velando o cadaver.As cerimonias do funeral começaram na terça feira de manhã. Celebraram-se três missas de requiem e em seguida começou o officio de corpo presente. Assistiram os redos. commendador Polo, servindo de parocho o arcipreste dr. Martins, Conego Alexandrino Nunes, padres Cruz Curado, Henrique Neves, Annibal de Figueiredo e diacono Leitão.A missa foi celebrada pelo revdo. arcipreste, acolytado pelo Pe. Annibal e diacono Leitão.Antes que o cortejo funebre se puzesse em movimento subiu ao pulpito o revdo. dr. Martins, que produziu uma curta mas eloquente oração.Disse que o padre d'hoje é geralmente escarnecido, mas que o Pe. Severino teve sempre uma multidão de admiradores e deixou na alma dos que o conheceram uma saudade infinda.Fallou do simples padre e do bom padre. Ser bom padre, disse o orador n'um enthusiasmado rasgo d'eloquencia, é ser Padre Severino. Fallou depois da sua obra toda caridade, do seu amor pelos pequenos e da sua paixão pelo Evangelho de Jesus.O brilhante discurso do orador provocou profunda emoção no auditorio que derramava lagrimas copiosas e elle mesmo se comoveu a ponto de interromper o discurso mais depressa que desejava.Poz-se emfim o cortejo funebre em andamento, no meio duma compacta multidão de povo, apesar de o tempo estar chuvoso.Ás 2 horas da tarde tinham terminado todas as cerimonias.NotasA sepultura ficou em frente da porta do cemiterio e na extremidade opposta, onde nos dizem que o sr. dr. José Ferreira de Sant’Anna vai mandar construir uma capella.— O corpo ia revestido com os paramentos da missa.— Foi confessado pelo seu particular amigo José Alexandrino Nunes e ungido pelo sr. commendador Polo. Não tomou a Sagrada Eucharistia, porque a cada passo o affligiam os vomitos.—Instituiu herdeiro universal seu unico irmão, dr. José Ferreira de Sant’Anna.— O revdo. Pe. Severino ainda no dia 11 disse a missa parochial e celebrou todas as cerimonias que antes e depois costumava.Mas era tal o seu estado que muitos parochiano choraram ao verem-no. Despediu-se de todos e aconselhou-os e aconselhou-os á obediencia ao novo pastor.D’ali foi para a cama, donde já não se levantou.Morreu no seu posto como muitas vezes disse que havia de morrer.