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Um encontro do passado com o presente
Recordar um ilustre mourisquense
Para os meus conterrâneos e leitores mais jovens, que estão em contacto diário com as notícias da Net, escrevo este artigo que traz, à luz do presente, alguns traços da vida de um grande mourisquense que, como emérito e abnegado médico e ilustre professor, dedicou toda a sua vida e os seus saberes à terra que lhe deu vida e cuja memória, por fazer parte da memória identitária de Mouriscas, temos o dever sagrado de preservar e divulgar para conhecimento das novas gerações.Trata-se de João Gualberto Santana Maia, nascido em 12 de Julho de 1907, no lugar de Casal da Figueira, da nossa freguesia de Mouriscas. Fazia parte de uma numerosa família constituída pelos seus pais Severino Lopes Maia Pita e Maria Lopes e pelos seus sete filhos: o Manuel, a Maria, a Ermelinda, a Eugénia, o António, a Martinha e o João Gualberto, o mais novo. Era trineto de António Ferreira Sant Anna, nascido em 1789, em Alagoa, concelho de Portalegre, e de Luíza Lopes, nascida por volta de 1801, na Cabeço de Alconde, da freguesia de S. Vicente, do concelho de Abrantes. Deste casal descendem os Santanas com origem em Mouriscas.
Foram padrinhos do baptismo do João Gualberto, realizado na Igreja Paroquial de Mouriscas a 21 de Agosto de 1907, os seus tios, paterno Padre Martinho Lopes Maia e materno Rosária Lopes.
O seu nome e sobrenome estão relacionados com a comemoração do dia de S. João Gualberto, nascido em Florença cerca do ano 995, fundador da Ordem dos Monges Beneditinos Valombrosanos, cuja morte ocorreu no dia 12 de Julho de 1073, santo ligado ao desenvolvimento da agricultura e da silvicultura. S. João Gualberto, conhecido pelo Herói do Perdão foi proclamado, em 12.1.1952, pelo Papa Pio XII, Protector dos Guardas Florestais
O pai era um pequeno proprietário agrícola, de magros recursos económicos, que, com muita dificuldade, permitiam manter os filhos a estudar fora da terra. Só com a ajuda do seu irmão padre isso seria possível. As filhas, segundo o viver desses tempos, era quase impensável saírem do lar paterno para estudar.
Quando chegou a altura de o João Gualberto entrar na Universidade, os dois irmão mais velhos já estudavam, em Coimbra, medicina e direito. Era mais um problema para o pai Severino, que estava disposto a limitar os seus estudos ao 6º ano liceal.Mas a inteligência, a persistência e vontade férrea de vencer na vida do João Gualberto faria o seu pai mudar de ideias. Ajudando-o nos trabalhos agrícolas, aliás, com faziam todos os rapazes e raparigas desse tempo, pensou fazer o 7º ano dos liceus. Apenas com a ajuda de livros e sem explicadores, preparou-se, convenientemente, e de seguida, convence-o a ir a Coimbra prestar provas. Fê-lo com muito êxito, segundo as suas palavras:... E a verdade é que cheguei a casa aprovado no 7º ano com 17 valores. (Excerto de entrevista com o Senhor Dr. Santana Maia ao Mourisquense- Mensário de Mouriscas, Ano I, nº 5, Outº 1977)
Com esta prova de maturidade e de responsabilidade o seu tio Martinho convenceria o seu pai a deixá-lo continuar os estudos.Iria para Coimbra estudar, tendo o Conselho de Família, de que fazia parte o tio Padre, decidido escolher um Curso de menor duração e de mais baixos custos, determinando que se matriculasse nos Preparatórios da Escola Naval, com a duração de um ano lectivo, para depois seguir a carreira na Marinha.Assim aconteceu na realidade. Mas como era um jovem ambicioso, em vez das três cadeiras exigidas: Física, Desenho Rigoroso e Álgebra Superior, matriculou-se em mais três: Desenho Topográfico, Geometria Descritiva e Química Geral.Aprovado em todas as cadeiras, no ano seguinte concorreria à Escola Naval, em que existiam oito vagas para 36 candidatos. Ficou eliminado na primeira prova que era a da inspecção física. Faltara-lhe a cunha. Perder-se-ia um oficial de marinha mas a freguesia de Mouriscas viria a ganhar um grande médico e um excelente professor.Fechadas as portas da Escola Naval pensou o João Gualberto concluir a licenciatura em Matemática, Física ou Química para depois poder seguir o magistério secundário, dado a sua grande motivação pelo ensino. Contudo, face ao limitado número de liceus existentes no País e ao grande número de professores à espera de vaga e a conselho do mourisquense Francisco Agudo, licenciado em Matemática, resolveu tirar essa ideia da cabeça.Pensou, ainda, no curso de Engenharia, mas como este curso tinha poucas saídas profissionais, optou definitivamente pelo Curso de Medicina, que concluiu, com brilhantismo, em 10.11.1932, o que lhe valeu, de imediato, um honroso convite para ser assistente da Faculdade de Medicina. Convite que, dada a sua forte personalidade e amor pela liberdade, verticalidade e independência, e o seu poder de liderança, recusaria, pelas seguintes razões:... Nunca gostei de andar vergado ao pé de ninguém, devo dizer, gostei sempre de andar de espinha erguida e eu via nesse tempo que os assistentes quando o professor catedrático ia a entrar para o seu carro particular, o assistente tinha que se descobrir, tirar o chapéu, abrir a porta e então o professor entrava. Quero dizer naquela altura o assistente era uma espécie de lacaio de professor. Ora eu sempre gostei de ser uma pessoa independente, ter a minha capacidade de decisão e nunca estar nessa situação de servilismo. (Excerto da entrevista referida)
Concluído o Curso de Medicina, o Dr. João Gualberto, com o seu espírito de missão bem vivo, o queria era exercer a profissão de médico junto de populações rurais que tão bem conhecia, ajudar os outros sem limites.Entretanto, já tivera um primeiro convite da parte do então Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Henrique Augusto da Silva Martins, que lhe oferecia o lugar de médico de Rio de Moinhos, do concelho de Abrantes, então vago.Quando a caminho de Mouriscas, em 13.11.932, foi abordado, na estação do Rossio, por uma deputação da Câmara Municipal de Abrantes, constituída por França Machado, Josué Gonçalves e João Alves Ferreira, que procurou convencê-lo a aceitar o convite do Presidente Silva Martins.Agradeceu, penhoradamente, tal atenção, informando a delegação sem papas na língua: ... que havia decidido fixar-me na minha terra, é para a minha terra que eu vou.
(Continua)
Pesquisa e texto de: Carlos Bento, doutor em Ciências Sociais e Políticas, professor universitário e director do Centro de Estudos Sociais da ADIMO.