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MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

MOURISCAS - TERRAS E GENTES

Criado em 2004 para falar de Mouriscas e das suas gentes. Muitos artigos foram transferidos doutro espaço. Podem ter desaparecido parágrafos ou espaços entre palavras, mas, em geral, os conteúdos serão legíveis e compreensíveis.

Ceifeiros mourisquenses no Alentejo (4)

27.04.05 | João Manuel Maia Alves
A atribuição das jornas

O manageiro fixava o com empresário agrícola uma determinada soldada/homem a pagar pela empreitada, que também incluía os moços e os não classificados ainda de camaradas, a qual depois era dividida, de forma desigual, pelos elementos que constituiam a companha. Fixados por consenso, entre o manageiro e os camaradas as jornas a pagar àquelas categorias, o remanescente iria ser dividido pelos restantes ceifeiros.

Em 1922, na Casa Bagulho, a soldada acordada, pelos prováveis quarenta dias de trabalho foi de 100$00. Como foi atribuída aos não camaradas a importância de 25 a 30$00, coube aos camaradas a quantia de 110$00, portanto mais 10$00 do que o combinado com o empresário. Estes quantitativos, fornecidos pelo manageiro António Gonçalves Pedro que foi à ceifa durante dezenas de anos, e confirmados por informadores que com ele trabalharam, - recordo Agostinho Dias Dinis, moço do meu ano e meu amigo de infância - diferem significativamente dos apresentados pelo Pe Pires Martins : "... . Em 1926, creio que as "soldadas" se fixaram em 400$00. Se o trabalho fosse feito só por homens-"camaradas"-, cada um receberia 400$00... ."(1). Há que intensificar a investigação para esclarecer estas e outras discrepâncias.

As soldadas com o decorrer dos anos cresceram lentamente passando pelos 150$00, 200$00, 300$00, para em 1957, ano em que terminaram as migrações para o Alentejo, atingirem 610$00. Neste ano os moços ganharam 210$00 e os rapazes do 4º ano 500$00. Aos ceifeiros das duas pontas era atribuída uma gratificação que oscilava entre os 20$00 e 50$00.

Ao manageiro, para além da jorna como camarada, era oferecida, pelo empresário, uma gratificação que podia atingir os 500$00, recebendo ainda 2% sobre o total das soldadas, que era a "manageria".

Os valores não eram constantes para todas as companhas que se dirigiam para as ceifas alentejanas, variando de concelho para concelho, de empresário para empresário e, especialmente, com o poder de negociação de cada manageiro. Só mais estudos poderão mostrar as respectivas especificidades e diferenças.

O pagamento das soldadas fazia-se no local de trabalho, o que permitia a alguns ceifeiros, se aquele fosse no país vizinho ou terras nacionais próximas, comprar algumas lembranças (por exemplo lenços para a cabeça) para as suas mulheres e noivas. Mas com a carestia de vida surgida depois da Segunda Guerra Mundial, todo o dinheiro era pouco para levar para casa e para liquidar, na loja, as mercadorias fiadas que ajudavam a sustentar a família durante a ausência do chefe.

Os ceifeiros se necessitassem de algum dinheiro, para comprar algum tabaco - onças e livros de papel ou alguns maços de cigarros- , pediam ao manageiro um empréstimo - chamado dinheiro à manta ,que lhes era descontado nas contas finais. Quase sempre preferiam fazer o seu cigarrito, pois, o tempo que gastavam na sua preparação representava uns minutos de descanso. Não há memória de ter surgido algum incêndio provocado por fumadores.

Contactos com a comunidade local e a aculturação

Os contactos sociais estabelecidos por cada membro da companha com elementos da comunidade local, em princípio de natureza mais formal, ficavam limitados aos feitores, guardas, manteeiro, e algumas filhas destes empregados que, muitas vezes, também ceifavam. Com eles os nossos ceifeiros aprenderam muitas cantigas alusivas às ceifas que ainda hoje fazem parte do imaginário e da tradição do povo mourisquense.

Também muitos dos traços que, actualmente, integram a cultura da freguesia de Mouriscas - especialmente alimentação e vestuário- foram difundidos do Alentejo com ajuda dos homens da ceifa.

São aspectos mal conhecidos que devem merecer, de imediato, um estudo sistemático aprofundado, sob pena de muitos se perderem irremediavelmente.

Como o processo da aculturação é recíproco, outro ponto a considerar nestes levantamentos será o de saber se estes trabalhadores temporários não terão também deixado, entre o povo alentejano, alguns dos traços da cultura do alto Ribatejo.

Sem dúvida, que no processo de difusão cultural verificado entre as duas áreas geográficas, os principais agentes foram os milhares de ceifeiros que, durante mais de um século, para minorar o estado de pobreza em que viviam, tiveram de procurar as grandes empresas agrícolas alentejanas.

O regresso a casa

Concluída a empreitada e feitas as contas vinha o regresso ao tão desejado lar.

Os rapazes solteiros ao chegar a casa entregavam, obrigatoriamente, o total da sua soldada ao pai, que, então, lhe oferecia uma pequena quantia de uma dezena de escudos.

Os casados depois de matar saudades e de cumprimentar os familiares mais chegados começavam a pensar em pagar a conta da loja. Caso não o fizesse, nos próximos anos não haveria mais fiados e o seu bom nome, que passaria a andar na "boca do povo", perderia crédito.

Muitas vezes, quando a família era numerosa, o dinheiro ganho na ceifa mal chegava para pagar as dívidas, andando, nestes casos os chefes de família sempre empenhados.

Mal haviam chegado e esquecidas as amarguras passadas durante a ceifa já estavam a pensar em voltar para o ano seguinte. Embora duro, o trabalho da ceifa, mesmo assim, era considerado mais leve que o trabalho de cavador.

Palavras finais

A companha, liderada pelo manageiro, constituía um grupo social coeso e no seu interior as relações sociais pautavam-se pela informalidade, pela cooperação, pelo respeito mútuo e pela inter-ajuda.

Excepcionalmente, de quando em quando, por ambições desmedidas, invejas incontidas e vaidades de alguns camaradas, surgiam situações de tensão e de conflito, imediatamente, superadas pela intervenção enérgica do manageiro. Nestescasos também funcionava o controle social informal, pois, pessoa alguma, ao regressar a casa, desejava ser apontada com tendo um comportamento desviante contrário às expectativas sociais culturalmente estabelecidas, e apresentada como alguém que não soubera honrar a família, o grupo e a sua terra natal.

O comportamento dos companheiros solteiros, - de fama ou desviante -, podia influenciar as raparigas na escolha do noivo, sendo mal aceita todo aquele que criara problemas à companha, tanto a nível do relacionamento como do trabalho.

A ida à ceifa, como mais tarde o serviço militar, constituía um rito de passagem com grande significado no ciclo de vida dos rapazes.

A condição de camarada, conseguida, muitas vezes, aos dezoito anos, vinha alterar o seu status de adolescente, então substituído pelo status de adulto, que lhe permitia fazer parte do grupo dos homens, associar-se, conversar com e como os homens e conhecer os seus segredos.

Com as mudanças sócio-económicas, verificadas depois da II Guerra Mundial, a que o País não foi alheio, as migrações temporárias para as ceifas do Alentejo viriam a terminar em l957.

Delas continuam a perdurar muitos traços de cultura, como resultado dos prolongados contactos e interpenetração de costumes, que, por fazerem parte da história social da freguesia de Mouriscas, é necessário não deixar perder.

As gerações vindouras ficar-nos-ão gratas se nós soubermos transmitir-lhes o que foi a vida dura e sacrificada, mas honesta, dos seus antepassados.

Para o podermos concretizar precisamos de levantar e analisar, cientificamante, esse passado, que nos deve a todos honrar e orgulhar.

As primeiras achegas aqui ficam. Mas um projecto de investigação como este, que tem de ser transdisciplinar e, no futuro alargado, a outras freguesias, exige mais participantes e colaboradores e o envolvimento de toda a comunidade mourisquense, que apesar de pobre, nunca deixará de ser nobre.

O desafio está lançado e creio, sinceramente, que será vencido, pois, vontade, engenho e arte, nunca faltaram aos filhos de Mouriscas.

FIM

Autor deste artigo: Carlos Lopes Bento


Notas

(1)-MARTINS, Anacleto Pires, A Ceifa e a sua Praxe. Um "Torneio" Singular para os "Ratinhos" da Beira .Castelo Branco, 1980, p.8.

Bibliografia consultada para a redacção dos quatro artigos

BENTO, Carlos Lopes, " As Companhas de Ceifeiros Ribatejanos no Alto Alentejo- Uma Forma de Organização Social Extinta", in Livro de Comunicações do IV Congresso Sobre o Alentejo. Portalegre, Ingrapol, 1995, p.p 104-108.
LEITE DE VASCONCELOS, José, Etnografia Portuguesa, Lisboa, I.N., 1982, Vol. V.,p.p. 568-564.
MARTINS, Anacleto Pires, A Ceifa e a sua Praxe. Um "Torneio" Singular para os "Ratinhos" da Beira. Castelo Branco, 1980, p.p.9.

Ceifeiros mourisquenses no Alentejo (3)

19.04.05 | João Manuel Maia Alves
O horário de trabalho, as refeições e a ementa


Com excepção de uma ou duas vezes - dias de Santo António e de S. João(1) sempre que os trabalhos se prolongavam para além de 24 de Junho -, o astro rei, em cada período diário, nunca surpreendia os ceifeiros a dormir.

O trabalho iniciava-se e terminava três quartos de hora antes do sol nascer e depois de ele se pôr - trabalhava-se de "ar a ar", espaço temporal intervalado por alguns períodos destinados a tomar as refeições e à sesta.

Ao raiar do dia, o manageiro gritava em voz alta: leva arriba oh rapaziada, ou vamos arriba oh família. Iniciava-se, então, o trabalho, aproveitando-se ao máximo o fresco do amanhecer para ceifar com menos sacrificio. Com o nascer do sol vinha a primeira pausa. Era tempo de oração. O manageiro e os seus homens, todos de pé e de cabeça descoberta, rezavam um Padre-Nosso ao Santíssimo Sacramento. Nas palavras do Rev. Anacleto Pires Martins, também ele na ceifa a partir dos dez anos:

“ ...este momento era vivido intensamente, em cada manhã. Aqueles homens valentes, aqueles jovens irrequietos, (...) concentram-se. O seu pensamento voa: aldeia distante, família, noiva, Igreja da terra; eu sei lá que de recordações, que de emoções lhes invadem o coração. Por ali, não se via nem Igreja nem povoado. Era tudo tão distante. Só trigais "folhas" sem fim, azinheiras e as cotovias - companheiras inseparáveis do ceifeiro, seguindo-o sempre com o seu voo e canto característicos.(2)

Vinha de seguida o desjejum .Tratava-se da "bucha" constituída por um pequeno pão de trigo, um pouco maior do que o papo-seco, também conhecido por massaquete(3), geralmente, amaciado com um pouco de água para vencer a sua dureza, que era distribuído, sem conduto ou acompanhado de uma pequena lasca de queijo de rações anteriores e comido num abrir e fechar de olhos. Retomava-se, de imediato, o trabalho que durava até à hora do almoço.

Pelas dez horas da manhã, um intervalo mais alargado, para almoçar. A ementa agora era a açorda, preparada, localmente, em "barranhões", com fatias de pão de trigo, água quente, alho, sal e um pequeno fio de azeite. Em cada "barranhão", espécie de celha de folha de zinco, era confeccionada açorda para cinco ou seis ceifeiros que dele, como símbolo da amizade, comiam em conjunto. Esta refeição depressa se preparava e rapidamente se consumia. Terminava com um louvor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Retomava-se de imediato o corte e a próxima arrancada findava com o jantar que tinha lugar pelas treze horas e trinta minutos. Era a grande refeição do dia que forneceria a energia necessária para enfrentar as escaldantes horas de trabalho do meio e do fim da tarde. Dela faziam parte uma sopa de grão, raramente de feijão, um naco de toucinho nos primeiros vinte dias, - ao qual se juntava depois morcil(4) -, pão e água.

Nas sextas-feiras a carne de porco era substituída por queijo (meio queijo por pessoa) que muitos guardavam, religiosamente, na totalidade ou em parte, para comer ao desjejum/"desenjum" ou para levar para a família no regresso a casa.

Nos dias de folga comia-se badana (carne de ovino) guisada com batatas - com muitos ossos e gordura e pouca carne.

Terminado o jantar vinham as duas horas da tão desejada sesta. Passava-se à sombra de uma azinheira, quando a havia ou de um ou mais molhos de trigo e servia para fazer um sono reparador de energias, interrompido, apenas, pela voz forte do manageiro ao anunciar "água fresca". De fresca apenas tinha o nome. Era tempo de reiniciar a faina que se prolongava até às dezanove/vinte horas, altura em que tinha lugar a ceia.

Nesta última refeição, de natureza refrescante, era servido o chamado caspacho, confeccionado com sopas de pão cortadas à mão (dois pequenos pães por ceifeiro), alho, vinagre, azeite (uma colher para cada um) e água fria. Também havia direito a azeitonas de conserva. Ela permitia aos ceifeiros suportar "o trabalho até à voz de "solta" que, ao apagar-se o "ar de dia", quando não havia luar, o manageiro lançava aos seus homens, em jeito de pregão libertador".

Antes do descanso nocturno os ceifeiros serviam-se, à vontade, pão seco. O pão era comida de todos os dias, que se comia, continuamente, ao contrário de outros comeres que tinham dias especiais.

Mesas não existiam. Tomavam-se as refeições de pé, de joelhos ou sentados no chão, quase sempre, à torreira da solama escaldante da planície alentejana.

O fornecimento dos produtos alimentares e da água cabia ao manteeiro - homem da terra e da confiança do patrão - que os transportava do monte em carro puxado por animais ou numa mula com ajuda de cangalhas.

Os garfos e as colheres, pertença dos trabalhadores, ficavam à guarda do manteeiro. A distribuição da água era tarefa dos aguadeiros, os moços que iam pela primeira vez à ceifa, cuja idade oscilava em redor dos doze os anos.

O descanso nocturno e o alojamento

Com a chegada da noite, como não existia qualquer tipo de iluminação, para além da fornecida pela lua, variável com as suas fases, a única coisa a fazer seria o descanso que se fazia, habitualmente, ao ar livre, no chão e no local onde terminara o trabalho do dia.

Quebrado o restolho e alisado o terreno com a ajuda das grosseiras botas, juntava-se erva ou feno que servia de cama, cuja roupa se limitava a alguns sacos grosseiros ou a uma ou duas mantas de algodão.

Eram muitas as noites mal passadas e, sempre que havia trovoadas mais violentas, acompanhadas de fortes chuvadas abandonavam os improvisados leitos e corriam para o monte "alumiados" pelos contínuos relâmpagos, levando consigo os poucos haveres de que eram titulares.

Das chuvadas mais fracas defendiam-se com os seus guarda-chuvas e com panos de lona quantitativamente escassos. A falta de comodidade deste improvisado dormitório, que tinha como tecto o imenso céu estrelado, não impedia, devido ao cansaço e às temperaturas diurnas, um sono profundo e repousante por parte dos hóspedes, que apenas era interrompida pelo frio e por toda uma bicharada, de pequeno porte, da qual se distinguiam as "melgas" nada agradáveis e conhecidas pelos seus constantes zumbidos e incómodas picadas.

Sobre as dificuldades sentidas e a solidariedade do grupo são claras e inequívocas as palavras do manageiro António Gonçalves Pedro:

"... . Não nos esquecemos do sacrifício passado no duro trabalho das ceifas na torreira do sol ardente, aonde não havia árvores, de tantos jantares comidos ao sol, de tantas sestas passadas à sombra dos molhos, de tantas noites mal passadas, atingidos por trovoadas, ao abrigo dos molhos e de tantas vezes, acontecer, depois de enrolar a copa, termos de correr para o monte alumiados pela luz dos relâmpagos. O nosso leito era o duro chão e o colchão era o restolho. Tudo se passava em santo convívio de horas tristes e alegres, especialmente, quando se recebia uma carta familiar, em amizade uns com os outros em verdadeira alegria e respeito.

Também quero com prazer declarar que nos trinta e seis anos convividos com milhares de homens nunca tivémos a menor discussão, sempre convivemos com amizade e respeito,... ."( Excerto de uma carta lida, pelo próprio em 10 de Junho de 1983, na Festa dos Ceifeiros, que teve lugar na Capela da Nossa Senhora dos Matos).

As cartas recebidas de familiares, noivas ou amigos enchiam os corações de alegria, servindo para matar saudades e renovar as forças indispensáveis para sobreviver em meio tão adverso.

A higiene corporal diária também não acompanhava estes trabalhadores. Dada a escassez de água - poços não havia - até à primeira folga realizada no dia de Santo António - cerca de vinte dias após o início da ceifa - praticamente não existia, lavando-se os ceifeiros com o abundante suor que escorria, diariamente, por todo o seu corpo

No dia ou dias de descanso tomava-se banho, fazia-se a barba e lavava-se e remendava-se a roupa e os mais curiosos davam um passeio pelo povoado mais próximo.

Apesar de tanta condição adversa as doenças eram raras. O seu aparecimento podia
levar o doente a regressar a casa.

(CONTINUA)


Autor deste artigo: Carlos Lopes Bento


Notas

(1)-O Pe. Anacleto indica-nos como dias de folga O Corpo de Deus e S. Pedro. Pode tratar-se de concelhos diferentes com tradições religiosas diferentes. Op. Cit. p. 6.
(2)-MARTINS, op. cit, p. 7.
(3)-Idem, ibid. p.7
(4)-Do espanhol morcille, morcela em português, em que os principais ingredientes são a sangue e gordura de porco, para além dos tempêros.
.

Ceifeiros mourisquenses no Alentejo (2)

13.04.05 | João Manuel Maia Alves
As companhas e a sua liderança

Mouriscas foi terra de muitos manageiros que foram os principais responsáveis pela aprendizagem da arte de ceifeiro por parte de alguns milhares de rapazes da freguesia e outros lugarejos dos concelhos vizinhos.

Os ceifeiros e os moços não estabeleciam contactos directos com os empresários agrícolas, cabendo essa tarefa tão somente aos manageiros. Pelos meados de Abril, de cada ano, cada manageiro deslocava-se ao Alentejo e a Espanha para observar, directamente, o "pão" que a companha teria de ceifar e combinar com o patrão o número de homens julgados necessários para o efeito, sempre maior para o primeiro e menor para o segundo, que tinha de multiplicar esse número pela importância combinada, a nível da região, como soldada, para o ano. Acordada esta, o trabalho era feito de empreitada. Interessava acabar o mais depressa possível e ganhar o máximo.

Os dados provisórios de que disponho levam a supor que, durante o século XIX, terão saído de Mouriscas, companhas de ceifeiros para Espanha, que terão terminado com o início da guerra civil de 1936, e para o Alentejo.

Entre os grandes manageiros que trabalharam no país vizinho, recordam-se: João Raposo, o maior de todos pela sua habilidade e destreza, que chegou ter uma companha de 200 homens e pai de dois professores primários, um deles - Matias Lopes Raposo, grande formador e meu ilustre e saudoso mestre; Ricardo Pardal; Francisco Alves Bento, meu tio-bisavô; o pai do manageiro José Pires; ... .

São mais numerosos os manageiros que tiveram com destino o Alentejo: António Gonçalves Pedro e seus irmãos Rosendo e Mateus, José Pires; Jesuvino Chambel; Manuel Alves Cartaxo; Martinho Pita; Joaquim Pinto, Augusto Pita; Matias Cabral; Francisco Lúcio; ... .

O recrutamento dos companheiros ou camaradas fazia-se a partir de Março de cada ano, cabendo a cada manageiro escolher, em Mouriscas e nas terras próximas do concelho de Abrantes e dos concelhos de Sardoal, Mação e Vila de Rei, aqueles que oferecessem melhores condições de trabalho e de convivência e não fossem conflituosos. O desemprego existente permitia aos manageiros fazer uma escolha de acordo com os seus propósitos e metas.

As companhas eram constituídas por um número de trabalhadores que variava, em média, na década de 50 do presente século, entre os 20 e 30. Há, contudo, indicações que terão atingido cifras bem maiores, falando-se em companhas de 200 pessoas que, no princípio do século, terão deixado estas terras do alto Ribatejo com destino a Espanha. Neste caso existia um manageiro-geral e vários manageiros sob a sua direcção que se responsabilizavam pela sua companha.

Os manageiros, geralmente, empresários agrícolas de pequena dimensão, estavam posicionados num estrato social mais elevado do que os restantes componentes da companha, que, geralmente, estavam situados na classe social baixa.

Em cada companha, geralmente, de 30 homens - no passado também incluía mulheres - tínhamos 20 homens "parelhos" e 10 rapazes: uns do 3º ano, outros do 2º ano e, finalmente, os do 1º ano de ceifa, os aprendizes ou moços. No conjunto cerca de 50% eram analfabetos.

Alguns manageiros apenas contratavam os homens que anuíssem, antes da ceifa, cavar, de graça, as suas vinhas.

Organizada a companha entrava-se nos preparativos necessários para enfrentar o trabalho e a vida dura que esperava estes homens de rija têmpera. Cada um, de acordo com as suas posses, juntava: o vestuário de trabalho - camisa, calças já em estado adiantado de uso, a braçadeira, o avental com peitoral, os safões de lona ou de sarapilheira, raramente, de pele, os plainitos de cabedal ou de pano, o chapéu de palha enfeitado, as botas cardadas, para muitos, as primeiras a entrar nos seus pés, com rastos de sola ou de pau, - em tempos mais recuados predominariam os tamancos - a foice e os canudos de cana à medida dos dedos.

A viagem até ao local de trabalho

Por volta dos meados de Maio, após a conclusão dos preparativos, dava-se início a uma cansativa e incómoda viagem, da responsibilidade de cada um, envolta em mistérios para os jovens, em que se utilizava a marcha a pé, o burro, - muitas vezes emprestado - o comboio a partir do seu aparecimento, - apanhado em Mouriscas (linha da Beira Baixa) ou no Rossio ao Sul do Tejo (linha do Leste), juntando-se grupos de dez para embaratecer o bilhete - e o carro de tracção animal.

Estes trabalhadores tinham, entre outros, como destino os concelhos de Elvas, Campo Maior, Avis, Arronches Sousel, Borba, Fronteira, ..., e mais perto Ponte-Sôr e antes da 2º Grande Guerra, também, Badajoz, Olivença, ... .

Chegados às terras do destino eram transportados aos montes e, de seguida, ao local de trabalho. Durante cerca de 40 dias, estes trabalhadores, em comunhão de espírito e de esforços, em plena planície, iriam sentir, na carne e na alma, a força das condições ecológicas adversas, o peso do isolamento geográfico e social, as saudades da família e das namoradas e até, aqui e ali, as hostilidade dos trabalhadores locais, que neles viam verdadeiros concorrentes, prejudiciais às suas lutas sociais e salariais.

Para se compreender mais facilmente este específico e temporário modo de vida destes cefeiros é pertinente caracterizar alguns dos seus traços mais relevantes e significativos: a liderança, a arte de ceifar, a distribuição de tarefas, os horários de trabalho, as refeições diárias e respectivas ementas, os períodos de descanso e o alojamento, a distribuição das jornas, o relacionamento com a comunidade local e a interpenetração de culturas, e o regresso a casa.

A arte de ceifar, a hieraquia e a distribuição de tarefas.

A arte de ceifar, com qualquer outra arte, tinha de ser aprendida. Os moços, desde o primeiro ano, tinham de aprender a "dar mantulho"para fazer gavela ou paveia. Era preciso ter jeito para que gavela fosse bem feita. Nem sempre isso acontecia, havendo moços que nunca chegavam a camaradas, reflectindo-se o facto nas remunerações. Era a "arte de ceifar" que fazia a diferença entre camaradas. Alguns sem cansaço eram eficazes no seu trabalho, ceifavam muito. Enquanto que outros bem se esforçavam, bem suavam a camisa mas a produtividade era pequena e deficiente.

A aprendizagem com eficácia, verificada através dos anos, originava uma hierarquia profissional pela qual todos tinham de passar para atingir o topo, que conferia mais direitos e regalias.

Segundo o Pe Pires Martins " a «escalada» tinha a sua praxe e, só em casos especiais, sempre justificados, se não respeitava. De «novel», a começar, subia-se a «sobre-novel». Depois, a passagem a «corte» e à soldada, conforme o trabalho produzido o ia justificando, e, por fim, subida ao último escalão geral - «camarada», pagando-se, no primeiro ano a «patente», ou, se o jovem em causa assim o preferisse, ficava-se pelos «meios interesses» - que correspondiam a metade do ganho ou importância registada entre a «soldada» e a verba atribuída aos camaradas."(1).

Também fazia parte da iniciação pregar algumas "partidas" aos moços. Uma das mais características era mandá-los a determinado local buscar uma pedra para afiar a foice, que não necessitava de ser afiada. Quase sempre os rapazes caíam no logro e lá vinham eles, durante uma longa caminhada, com uma pesada pedra embrulhada ou dentro de um saco e que transportavam às costas até ao local do acampamento. Surgia depois a risada de gozo dos companheiros que fazia o moço compreender e apreender o significado do seu comportamento. Para o próximo ano já estaria, com orgulho, do outro lado, integrado no grupo e seria o seu tempo de rir.

Os moços ou "muchachos" no primeiro ano de ceifa encarregavam-se de ir buscar água às barricas para distribuir pelos ceifeiros, ajudavam o manteeiro nas operações ligadas à produção e distribuição da alimentação, iam ao monte sempre que necessário e ceifavam quando tinham tempo disponível.

A partir do segundo ano os rapazes apenas ceifavam e com o passar dos anos iam crescendo fisicamente e assimilando e interiorizando conhecimentos até se tornarem camaradas. Se aprendiam facilmente a arte de ceifar e se faziam um bom e correcto mantulho, o manageiro, ao fim de quatro ou do quinto ano, dava-os prontos para a função e classificava-os como camaradas.

Uma vez no local de trabalho era necessário dispor os ceifeiros no terreno de modo a tirar o máximo proveito do grupo e das potencialidades de cada um.

Até ao Santo António ceifavam-se favas, grão de bico, cevada e aveia que não exigiam grande perícia nem grande esforço.

Após este primeiro dia de folga, iniciava-se o corte das grandes searas de trigo. Aqui o trabalho era bem mais duro e exigia o cumprimento exacto de um conjunto de regras, sempre executadas sob a orientação directa do manageiro. Para que a empreitada contratada fosse finalizada com êxito no menor tempo possível, ele tinha a árdua tarefa de planear e organizar as tarefas de cada dia de trabalho e de motivar e controlar os seus subordinados. Teria de saber liderar e de adaptar a sua liderança a cada um dos liderados e à situação onde se desenrolava a actividade.

O manageiro, tendo em conta a posição do cereal e a posição do sol, distribuía os seus homens, de acordo com as suas categorias, por uma frente rectilínea, de cerca de cinquenta metros, ficando cada um com um espaço de cerca de dois metros:

" ... O "camarada" alinhava no "corte", sob o comando do "manageiro", e nos lugares previamente estabelecidos, contando com os mais novos, que se intercalavam com os homens, procurando um equilíbrio que pudesse garantir o avanço uniforme da linha da "frente", sem exigir a ninguém um esforço desproporcionado. E tudo isto com regras há muito seguidas - era preciso levar as "hombreadas" ou "pancadas", ao jeito, nunca descendo e, naturalmente, nunca de rosto para o sol, estudando os "talhões", de modo a tornar o trabalho o mais possível eficaz e o menos possível oneroso. Só quando o pão (trigo, aveia ou cevada) acamava, a estratégia habitual se alterava, já que a foice só se lhe metia do lado contrário àquele para onde caía"(2).

Para as pontas - direita e esquerda - eram escolhidos dois ceifeiros eficientes e responsáveis que soubessem bem da arte - também chamados os sotas - que às ordens do chefe adiantavam ou retardavam a sua ponta de modo a alinhar todo o pessoal de corte. Eram estes homens que iniciavam o trabalho em cada folha.

O manageiro tinha de manter a ordem e uma cerrada vigilância sobre os seus homens de modo a evitar que um ou outro "aldrabasse" o trabalho ou se "armasse" em forte, ceifando em despique, em ritmo mais acelerado, de modo a dar nas vistas e ainda, quando necessário, despertar a atenção do grupo para que o serviço não perdesse ritmo. Dos despiques resultavam gavelas mal feitas, espigas pelo chão e restolho irregular que eram suficientes para classificar os ceifeiros de "aldrabões".A maior ou menor rapidez do trabalho e a finalização da ceifa de cada folha também estava relacionado com a produtividade da seara. Uma seara de trigo de vinte sementes - em princípio mais "forte"- levava muito mais tempo a ceifar do que uma com trigo de quinze sementes cujo trabalho "sordia" muito mais.

À medida que iam operando, segundo Leite de Vasconcelos(3) e os dados por mim recolhidos, os camaradas com a mão esquerda, com todos os dedos protegidos por canudos, excepto o polegar que ficava livre, agarravam no cereal, ao tempo que a direita ceifava com a ajuda do seu principal instrumento de trabalho: a foice.

Da quantidade apanhada pela mão (mancheia) tiravam duas ou três espigas que atavam às outras, formando a "gavela". Ao feixe assim constituído dava-se o nome de "mantulho". O conjunto de "mantulhos" que eram atados, por um atador, com o próprio cereal, dava origem aos "molhos". Com um número entre dez e quinze "molhos" formava-se um "relheiro". O conjunto de "molhos" reunidos, próximo da eira, originavam uma "meda" ou "frascal".

Nos primeiros anos de liderança o manageiro ainda ceifava, mas depois passava só a dirigir. Muitas vezes, o manageiro ia atrás da linha de corte para ajudar a atar os "molhos" e para verificar a qualidade da ceifa realizada pela companha. Liderava com base num poder funcional que lhe advinha, especialmente, dos liderados.

(CONTINUA)

Autor deste artigo: Carlos Lopes Bento


Notas

(1)-MARTINS, Anacleto Pires, A Ceifa e a sua Praxe. Um "Torneio" Singular para os "Ratinhos" da Beira .Castelo Branco, 1980, p.p.4-5.
(2)-Idem, ibid. p.6.
(3)-LEITE DE VASCONCELOS, José, Etnografia Portuguesa, Lisboa, I. N., 1982, Vol. V, p.p. 560.

Ceifeiros mourisquenses no Alentejo (1)

06.04.05 | João Manuel Maia Alves
Este artigo e os que se lhe seguem com o mesmo título constituem uma conferência proferida em 16 de Agosto de 1996, a convite da Presidente da Junta de Freguesia, e integrada no Programa da VIIª Feira Mostra de Mouriscas.

AS COMPANHAS DE CEIFEIROS DE MOURISCAS NO ALTO ALENTEJO

Uma forma de organização social extinta

R E S U M O

Alguns dados sobre uma abordagem antropo-sociológica relativa às companhas de ceifeiros que, anualmente, e desde o século passado, de Mouriscas e terras vizinhas, se dirigiam, sob a direcção de manageiros, para Espanha e terras do Alto Alentejo, através da qual se procura conhecer, sistematicamente, as estruturas e funções duma forma organizativa extinta, os constrangimentos ecológicos, o dia-a-dia dos ceifeiros, a hierarquia e responsabilidades das diversas categorias e o relacionamento interpessoal com gente da terra e a importância destes migrantes temporários no processo de difusão cultural.

Os dados que serviram de base a este resumido trabalho fazem parte de uma recolha iniciada em 1987, mas pouco depois interrompida, por razões de natureza académica. Utilizaram-se como técnicas de investigação entrevistas informais, histórias de vida e alguma bibliografia, que está longe de ser completa.

1- A situação geográfica e sócio-económica

A freguesia de Mouriscas, situada no alto Ribatejo, na margem direita do rio Tejo, raiana com a Beira Baixa e com o Alto Alentejo, pela pobreza dos seus solos, muito movimentados e na maioria esqueléticos, pela secura do seu clima, pela proliferação do minifúndio quase sempre murado, foi sempre madrasta para as suas gentes que, inseridas numa economia agrícola de auto-subsistência, viveram, permanentemente, com enormes dificuldades.

A economia, até à década de 60 deste século, tinha como base principal um sector primário voltado, essencialmente, para a olivicultura, as culturas de cereais (milho, trigo, cevada, aveia e algum centeio), a pequena horticultura associada a algumas árvores de fruto e vinha, a criação de animais domésticos e a exploração florestal, especialmente, de pinheiros e matos diversos.

A par da agricultura e da criação de gado - caprino, muar, bovino e asinino- existiam várias artes, a maioria relacionadas com o mundo agro-pecuário: ferreiro, serralheiro, carpinteiro, marceneiro, ferrador, capador, tosquiador, albardeiro, correeiro, latoeiro, caldeireiro, amolador, vendedor ambulante, moleiro, padeiro, lagareiro, mestre de lagar, podador, roçador de mato, serrador, madeireiro, ervanário, carroceiro, pedreiro, sapateiro, alfaiate, tecedeira, costureira, oveira, boleira, cozinheira, benzilhoa-vidente, parteira, cabeleireira, barqueiro, sardinheira, pescador, barbeiro, ceifeiro, comerciante, empregado comercial, merceeiro, taberneiro, negociante de animais, oleiro/ceramista, esparteiro, pirotécnico, coveiro, ... .

De recordar a importância das pequenas oficinas das diversas artes na formação profissional dos jovens .

Concluída a instrução primária,- com exame da quarta classe realizado obrigatoriamente na sede do concelho ou seja em Abrantes - as alternativas colocadas aos pais, quanto ao futuro dos filhos, praticamente, ficavam limitadas à aprendizagem, na freguesia ou terras próximas, de uma arte ou ofício.

Até à fundação Colégio Infante de Sagres que teve lugar por volta de 1940, a continuação dos estudos estava fora de questão para 99% da juventude mourisquense.

Bem poucas famílias - três ou quatro - tinham possibilidades de mandar os seus filhos continuar os estudos fora da terra, visto os mais próximos estabelecimentos de ensino liceal, estarem sediados em Castelo Branco, Portalegre e Santarém. A sua localização exigia despesas - com deslocações e estadia- impossíveis de suportar para a quase totalidade dos pais.

Deste modo ou se aprendia uma arte com a ajuda de um mestre ou familiar, ou a profissão de agricultor com o pai, ou se ficava sem profissão definida, cabendo esta, geralmente, aos que possuíam pouca ou nenhuma escolaridade, sujeitando-se, por esse facto, ao exercício das tarefas mais duras e penosas ligadas ao mundo rural, como: cavador, servente, ajudante ,... .

A empresa agrícola predominante era e continua a ser a pequena e média, com realce para a primeira. Então havia excesso de trabalhadores rurais que tinham sérias dificuldades em arranjar emprego certo e continuado na freguesia. Geralmente dispunham de pequenas e modestas habitações, que abrigavam numerosos filhos- a sua única riqueza. Um ou outro possuía alguns metros quadrados de terreno em cujo amanho ocupava apenas algumas horas de trabalho por ano. Também os pequenos agricultores, para sobreviver, tinham de trabalhar, como assalariados, por conta alheia.

Não será pois de estranhar que estes trabalhadores, uma parte do ano sem actividade e a outra na incerteza de a ter, os baixos salários praticados na agricultura- recordo que, em 1945, os trabalhador rurais, mourejando de sol-a-sol, ganhavam cerca 14$00 por dia, 7$00 quando mulheres,- e muitos artesãos -pedreiros, sapateiros, carpinteiros,... -, a quem a vida não sorria, tiveram de recorrer às migrações temporárias.

Para amealharem alguns escudos e minorarem o estado permanente de penúria em que nasceram e viviam, viram-se obrigados a deixar a sua terra natal e a procurar, nas grandes empresas agrícolas alentejanas, meios de sustento para mitigar a fome do seu agregado familiar, quase sempre, constituído por numerosos filhos- conheci muitos com oito e mais.

Era uma das poucas oportunidades de juntarem algum dinheiro, nessa época, um bem tão escasso para a maioria dos mourisquenses, uma esperança nunca perdida de equilibrar o orçamento familiar sempre em débito para com as muitas lojas espalhadas pela freguesia, todas elas possuidoras do seu «Rol de Fiados».

Para os mais novos, ainda solteiros, era esperança de se tornarem "adultos" ou de amealharem, sacrificadamente, uns tostões para os preparos de um próximo casamento.

Embora as jornas diárias auferidas durante a safra também fossem de pequena monta, as
vantagens de ir à ceifa eram notórias: poupança da alimentação; utilização de vestuário velho, muitas vezes, já fora de uso; trabalho aos Sábados e aos Domingos; despesas nulas na taberna; e pagamento no final do contrato que permitia receber a soldada toda junta.

Intregraram-se, assim, muitos dos nossos conterrâneos, nas migrações anuais que os denominados ratinhos da Beira (1) faziam para as terras alentejanas e espanholas, na época das ceifas.

Fialho de Almeida, fala-nos, em termos pouco lisonjeiros, das condições sociais da gente pobre da Beira Baixa, verificadas nos primeiros anos da última década do século passado, muitas delas, pelos mesmos condicionalismos ecológicos, geográficos e culturais existentes, também afectavam os habitantes mais pobres de Mouriscas, sem dúvida a sua maioria :

"... . Salvo excepções restritas, é uma raça de miséria, avergoada de superstições e de ignorância, comendo mal, vivendo imundo, e guardando ao dinheiro dos ricos uma servilidade de escravos e de cães esfomeados.(...). É daqui o beirão trigueiro, ossoso, de olhos ardentes,(...), que mais ou menos todos temos visto descer em récuas para os trabalhos agrícolas do Alentejo (...) ou vir das ceifas de Espanha, com a casaqueta de saragoça presa por um só botão junto ao pescoço, os tamancos nos pés, o cobertor no varapau, o lenço amarrado na cabeça, o cabelo corredio e a barba rente,....".( Os Gatos, do Círculo de Leitores, 1992, Vol. IV, p.p.180-181).

Parecerá um pouco descabido eu vir aqui dissertar sobre ratinhos conhecendo-se a cuidada atenção que já mereceram por parte de poetas, etnógrafos, geógrafos, historiadores e outros cultores do saber.

Penso ser oportuno fazê-lo, por um lado para dar a conhecer às novas gerações de mourisquenses as dificuldades porque passaram muitos dos seus ascendentes recentes- trisavós, bisavós e avós e pais- e, por outro, por pensar que todas as achegas sobre tão complexa e multifacetada realidade temática, face às variantes locais de cada contexto sócio-cultural, constituirão mais um passo em frente para o conhecimento sistemático da globalidade do fenómeno que faz parte da história social de Mouriscas.

(1)-Segundo o informador António Gonçalves Pedro, já falecido, mas ainda entre os vivos em 1987, então com a idade de 93 anos, os alentejanos designavam os ceifeiros daquém Tejo de ratinhos por eles cobiçarem muito e "ratarem" o pão de trigo e o queijo, alimentos fora do alcance das classes sociais mais pobres.

(CONTINUA)

Autor deste artigo: Carlos Lopes Bento

Versos de Maria Neffe

06.04.05 | João Manuel Maia Alves

Este artigo foi publicado em 31 de Janeiro de 2005. Saiu, no entanto, incompleto. Faltaram notas biográficas da autora. Por essa razão, é de novo publicado, desta vez sem mutilações.



-- O Dia da Nossa Mãe --

O dia da nossa Mãe
Não o podemos esquecer
E vamos festejá-lo com alegria
Com muito amor e prazer

É um dia muito feliz
Para aqueles que têm Mãe
Porque amor como o dela
Não o temos de mais ninguém.

Minha mãe partiu para a Eternidade
E nunca mais vai voltar
E nesse dia a minha saudade
O seu retrato vai emoldurar.

O amor da nossa Mãe
É o mais belo que a nossa vida tem
E hoje vamos festejá-lo
Porque é o dia da nossa Mãe.

-- Dia da Mãe --

 

Gostava de ser uma estrela e estar
No Céu a brilhar e no dia da nossa Mãe
Com muita luz a iluminar.

Ó minha Mãe, minha Mãe
Ó minha mãe tão queridinha
Nos teus braços me embalaste
Quando eu era pequenina.

Cantavas uma canção
que nunca pude esquecer
Eu fechava os meus olhinhos
e acabava por adormecer.

A minha mãe já partiu
Rosas para o Céu eu vou enviar
Minhas lágrimas serão pérolas
que as irão ornamentar.

E nesse dia tão querido
Que todos se lembrem bem
de o festejarem com alegria
porque é o Dia da nossa Mãe.

 


-- Quem é Maria Neffe --

Filha de pai mourisquense, Maria Neffe nasceu em Lisboa. Em jovem visitou muitas vezes Mouriscas, onde passou férias em casa de tios e tias.

Maria Neffe tem vivido a maior parte da sua vida fora de Portugal. Viveu em países e territórios tão distantes como o Brasil, Curaçau, Moçambique e África do Sul. É neste país que atualmente reside. Muitos dos seus versos e contos têm sido publicados no Século de Joanesburgo, jornal que serve a numerosa comunidade lusa no grande país do extremo sul da África.

Na década de 90 do século passado visitou Mouriscas, onde não vinha há mais de cinquenta anos.

Maria Neffe, mesmo longe, nunca esqueceu Mouriscas, onde gostaria de ter nascido. Porque assim é, Maria Neffe deve ser considerada uma quase-mourisquense e merece um lugar neste blogue.